14.7.06

Oh, Filme Triste que me fez chorar!

Ele chega em casa e a encontra chorando, em cima da cama.
Ele: Que foi?
Ela: ... nada, amor.
Ele: Ué, então por que tá chorando?
Ela: Cinco anos, César.
Ele: Quê?
Ela: Cinco anos que eu tô nessa... e eu não sonsigo superar.
Ele: Vixe, já sei. Andou assistindo aquela fita de novo?
Ela (soluçando): An-hã
Ele: O meu amor, por que você faz isso?
Ela: Porque poderia ter sido tão lindo.
Ele: Mas foi, meu bem.
Ela: Ah, você é mesmo maravilhoso.
Ele: Por que você assiste isso, sabendo que vai ficar triste depois?
Ela (se lamentando): Eu sou fraaaaca.
Ele: Oh, meu Deus.
Ela: Há cinco anos, eu luto contra esse vício.
Ele: Pára de assistir essa fita, então.
Ela: Como?
Ele: Sei lá, parando.
Ela: ...
Ele: ...
Ela: Queima essa fita, César.
Ele: Queimar?
Ela: É, queima. Só assim eu conseguirei parar de assistir.
Ele: Mas, Luiza. É uma lembrança nossa. Pra vida toda.
Ela: Uma lembrança não-boa.
Ele: "Não-boa". Então você acha nosso casamento é ruím?
Ela: Eu disse "não-boa", eu não disse "ruím". E eu disse "lembrança", eu não disse "casamento".
Ele: É só parar de assistir!
Ela: Vou tentar.
Ele: ...
Ela: ...
Ele: Isso ainda vai te fazer mal.
Ela: Desliga pra mim?
Ele: Claro.
Ela: ...
Ele: ...
Ela: Lembra dos sininhos cor-de-rosa?
Ele (desliga a TV): Lembro.
Ela: Lembra das flores?
Ele (senta na cama): Azuis, lindas.
Ela: E da recepção com aquela estátua de gelo?
Ele: Lembro, meu bem.
Ela: E da Dona Celestiana cantando fado, lembra?
Ele: Também.
Ela: E a toalha de mesa avermelhada?
Ele: Lembro.
Ela (se joga na cama, se debulhando em lágrimas): Ai, que festa de casamento breeeegaaa...

9.7.06

Viagem Maldita

Oito horas da noite. Eles chegam de viagem. Ele desarrumando as malas. A cama, uma bagunça. Cheia de roupas espalhadas. Ela, quieta e misteriosa.

Ele: Amor, você guardou aqueles meus anzóis pontudinhos?
Ela: Hã?
Ele: Meus anzóis? Os pontudinhos?
Ela (aérea): Peraí... eu não ouvi o começo da piada.
Ele: Que piada, mulher? Tá maluca?
Ela: Hein?
Ele: ... meus anzóis... de pesca... Vc viu?
Ela: Ah, tá.... é... Desculpa, eu não vi...
Ele: Tá tudo bem com você?
Ela: Ué... tá. Não tá vendo?
Ele: Ihh...
Ela: Ih, o quê?
Ele: Nada. Aqui... achei os anzóis.
Ele: ...
Ela: ...
Ele: ...
Ela: ...
Ele: Vem cá. E as iscas artificiais?
Ela (desligada): O quê, César?
Ele: As iscas?
Ela: Sei lá. Deve tá na mala pequena.
Ele (procurando): Mala pequena?!... Deve tá no banheiro.
Ela (dobrando umas camisetas): ...
Ele (volta do banheiro): Achei.
Ela: ...
Ele: Viu a vara?
Ela (grita): Eu não vi nada. Ele tava de costas.
Ele: Hã?
Ela: Hein?
Ele: Que costas?
Ela: De quem?
Ele: Você falou aí.
Ela: Falei?
Ele: Quem tava de costas, Luiza?
Ela: Ai, César. Pra começar, eu nem queria ir visitar seus pais. Foi você quem insistiu.
Ele: Ah, Luiza. Pra começar, você vai ter que começar de outro jeito, porque eu não entendi... naaada.
Ela: Ai, caramba.
Ele (sentado na cama): Fala, Luiza.
Ela: Não quero...
Ele: Vem cá. Senta aqui.
Ela (senta) Aiii!
Ele: O quê?
Ela: Achei outro anzol.
Ele: É um dos pontudinhos?
Ela: Se não for, eu é que não quero pescar contigo.
Ele (rindo): Dá aqui.
Ela: ...
Ele: Fala, agora.
Ela: Ai, César. Foi o seu pai.
Ele (sorrindo): Que tem meu pai?
Ela: Eu o vi... nu.
Ele (desfaz o sorriso): Comé?
Ela: Eu entrei no nosso quarto... bem, não no noooosso quarto... no quarto que a gente estava hospedado...
Ele (interrompe): Eu entendi.
Ela: E... vi.
Ele: O meu pai pelado?
Ela: É.
Ele: De costas?
Ela (sem graça): É.
Ele (ri): Ah, amor, tá tudo bem.
Ela (irônica): Não, não tá.
Ele (rindo): Tá, sim. Eu não fico zangado por você ter visto a bunda do meu pai.
Ela (meio emputecida): E você acha que eu estou lá preocupada com a sua opinião e o seu estado de alegria por saber disso?
Ele: Ah, não?
Ela: Não!
Ele: Então por que tá grilada?
Ela: Por que eu não consigo tirar essa imagem da minha cabeça.
Ele (sorri): Luiza... é apenas... uma... bunda!
Ela (irônica): Ah, não é.
Ele: Por quê? Você viu algo mais, é?
Ela: An-hã!
Ele: O que foi? Viu o pinto do meu pai também?
Ela: Antes fosse!
Ele (ri): Viu a bunda da minha mãe?
Ela: Antes fosse!
Ele: Então?...
Ela: Eu não vou te contar. Você vai ter pesadelos pro resto da sua vida, se conseguir imaginar o que se passa dentro da minha cabeça.
Ele: Então não conta.
Ela: Ah, eu conto.
Ele: ...
Ela: Eu não só vi o seu pai de costas... com a... buuuunda de fora, como também percebi a sua mãe, de joelhos, em frente ao seu papai fazen...
Ele (interrompe, gritando): Caaalllaaaaaa...
Ela (rindo): ...
Ele (em estado de choque): Você viu?
Ela: Vi.
Ele (gagueja): Mas... o... quer dizer.... o... caaaaraaaalhu!
Ela (sorrindo): É... No beiço da vovó.
Ele: Gente... eu pensei que meus pais não faziam isso.
Ela (ri): ...
Ele (percebe a risada dela): ...
Ela (percebe que ele percebe que ela tá rindo e ri mais ainda): ...
Ele (olha pra ela): Você planejou essa encenação toda durante a viagem de volta pra casa, pra chegar aqui, me contar tudo isso e chorar de rir da minha cara de babaca, não foi?
Ela (gargalhando): Hahahaha. Foi.
Ele: Agora você vai ver.
Ela: O que você vai fazer?
Ele: Vou te apresentar o anzol pontudinho.
Ela: Peraí, César. Eu tava brincando.
Ele: Isso não tem graça.
Ela: Ah, César, admita que se você pegasse meus pais na mesma "posição" você iria fazer piada, vai?
Ele (puto): Precisa mencionar "a posição"? Precisa me fazer visualizar a cena?
Ela (rindo): Tá bom. Não precisa ficar zangado.
Ele: ...
Ela: Me desculpa, amor.
Ele: Não.
Ela: ...
Ele: ...
Ela (rindo): E se eu ficar "de joelhos", você me perdoa?
Ele: Ai, cacete.

1.7.06

Novela das Oito

Ele deita na cama e começa a beijá-la.
Ela: César.
Ele: Hum...
Ela: É qui...
Ele (pára toda a sessão): Que foi?
Ela: Eu não tô preparada.
Ele: Ué. Agora que acabou a novela... Não tá afim?
Ela: Tô. Claro que eu tô.
Ele: Então?
Ela: É que eu tô meio bolada.
Ele (rindo): Eu, hein, Luiza? Anda frequentando baile funk, é? Tá ficando boladona?
Ela (irônica): E o juri dá nota 6 para o macaco falante!
Ele: Já entendi. Sem piada, né?
Ela: É.
Ele: Mas o que aconteceu?
Ela: É... é o Zé Mayer.
Ele: ...
Ela: Ele brigou com a Regina Duarte na novela.
Ele: Sei.
Ela: Ai, fiquei tão triste com a última cena dos dois se despedindo.
Ele (emputecido): Uhn...
Ela: Ah, que situação.
Ele: Luiza, meu bem. Eu te amo, né. Você sabe disso?
Ela: Claro que sei, meu amor.
Ele: E eu, como seu marido, acho que posso ser honesto, inclusive... expor os meus sentimentos pra você.
Ela: Claro, meu bem.
Ele: Sendo assim, você está ciente de que tudo o que é dito ou feito nessa relação a todo momento, é um mérito de quem leva a vida a dois?
Ela: Dois na cama?
Ele (ri): Isso.
Ela: Entendo.
Ele: Então, assim sendo, eu lhe pergunto... meu bem... que porra toda é essa?
Ela: Que foi, César?
Ele: Que história é essa de Regina Duarte?
Ela: Amor...
Ele (interrompe): A mulher leva um toco e sou eu quem sai no prejuízo?
Ela: César, a mulher tá sofrendo. Isso mexe com a gente. Você não entende nada do organismo feminino.
Ele: Luiza, isso é uma novela.
Ela: César, é uma novela baseada em fatos reais.
Ele: Mesmo assim, ainda não me comovo.
Ela: Você não assiste. Não presta atenção. Por isso não dá a mínima.
Ele (irritado): Não dou a mínima mesmo. Porque eu odeio novela... aliás pra mim, escritor de novela é um cara que não come ninguém, e vive trancado em casa em frente ao computador escrevendo histórinhas pra mexer com o organismo feminino da mulher da gente e fazê-las desistir de dar pra gente.
Ela: Não seja machista, César. Que coisa feia.
Ele: ...
Ela: ...
Ele: Já passou?
Ela: O quê?
Ele: O efeito Ze Mayer aí?
Ela: Não.
Ele: Saco!
Ela: Você devia assistir. Assim, ia ver que não estou exagerando.
Ele: Me conta, então. Me diz como foi o rompimento entre o Zé e a Regina.
Ela: Tá de palhaçada ou tá falando sério?
Ele: Sério.
Ela: Tá... ele descobriu que ela é filha dele, assim, teve que abandoná-la, renunciando uma grande história de amor para não viver uma vida afundada em pecados.
Ele: Ele é pai dela?
Ela: Ahã.
Ele: O Zé Mayer é pai da Regina Duarte?
Ela: É. Na novela.
Ele: Como é possível uma coisa dessas?
Ela: Ai, César. É que o Zé Mayer foi congelado depois de deixar uma garota grávida. Anos depois ele foi descongelado e conheceu a Regina, e se apaixonou sem saber que ela era sua filha.
Ele: ...
Ela: Que foi?
Ele: Isso é baseado em histórias reais, Luiza?
Ela (sem graça): Hã... é...
Ele: Eu vou dormir.
Ela: Ué, não quer mais transar?
Ele: Não. Agora eu fiquei deprimido.
Ela: Por causa da história do Zé e da Regina na novela?
Ele: Não. Por causa da história do Zé e da Regina na vida real mesmo.