25.4.06

Dois on Line

Ela dormindo. Ele, sentado na cama, com o laptop no colo.
Ela acorda.

Ela: César, desliga esse negócio. Deita.
Ele: Já vou.
Ela: ...
Ele: ...
Ela: César, que coisa. Desliga esse computador. Essa luz não tá me deixando dormir.
Ele: Ah, pára de reclamar, Luiza. Tava aí babando no travesseiro há um tempão.
Ela: Tô falando sério, César.
Ele: Luiza, foi você quem me tirou da sala e me trouxe pra cama.
Ela: Pra dormir!
Ele: Não disse nada disso, não.
Ela: César, que tanto você vê nessa geringonça que não pode deixar pra amanhã?
Ele: Tô vendo se tenho scrap.
Ela: O quê?
Ele: Scrap... no orkut.
Ela (indignada): Ah, mas era só o que me faltava!
Ele: Ó... sua irmã brigou com o namorado de novo, hein...
Ela: Como é que você sabe disso?
Ele: Xeretei no orkut dela.
Ela: César, quem te deu permissão para ir mexendo no orkut da minha irmã assim?
Ele: Ih, Luiza. Orkut não necessita permissão, não, meu bem.
Ela: Ah, não?
Ele: Não. Todo mundo pode ver, numa boa, o que se passa na página de orkut de cada um. No meu caso, a vida escancarada da sua irmã.
Ela: Meu Deus, como é que minha irmã fica escancarando assim... pra todo mundo?
Ele: É verdade. É só olhar aqui. Briga feia via internet, viu?
Ela: Deixa eu ver.
Ele: Não... eu acho melhor, não.
Ela: César, eu quero ver.
Ele: Não, Luiza. Você vai presenciar um nível de obscenidade não-agradável.
Ela: E lá existe um nível de obscenidade agradável, meu querido?
Ele: Ué, existe. Quando não envolve nome da mãe, sexualidade e tamanho de genitália.
Ela: Ah, mas aí perde-se toda a graça da obscenidade, meu amor.
Ele: Ué, mas é assim que tem que ser, se quisermos viver bem junto a todos os seres, em harmonia.
Ela: César, vai tomar no seu cú. Você tá me enrolando pra eu não poder ver o que esse grosseirão... (ela bate no teclado do computador)... disse pra mi-nha irmãããã!!!...
Ele (defendendo o teclado): Peraí.
Ela (gritando): Eu vou ver!!!
Ele(grita): Peraê!! Vai quebrar...
Ela: ...
Ele: Que coisa... Pronto, vê.
Ela (lendo): ...
Ele: ...
Ela: Mas, que cachorro. Como é que ele fala assim do calcanhar da minha irmã? Sem vergonha!
Ele: Luiza...
Ela: A coitada teve de fazer cirugia quando caiu de bicicleta... sofreu pra cacete, quando aconteceu tudo aquilo...
Ele: Luiza, calma.
Ela: Como você quer que eu fique calma, César? Um filho-da-puta escroto fica difamando o calcanhar da minha irmã pro mundo inteiro ver...
Ele: Calma... ainda não parou aí, não.
Ela: Ahn?
Ele: Olha só a página dele.
Ela: ...
Ele: Ele tá tendo um caso com esse negão aqui da foto. Sabe quem é esse, né? Tá reconhecendo?
Ela: Não.
Ele: É o Maçaneta, da construtora que a sua tia trabalha, lembra? O Maçaneta batizou o filho do seu primo Dudu.
Ela: Gente... o viado trocou minha irmã pelo Maçaneta?
Ele: E isso não é nada. Olha só.
Ela: ...
Ele: Ele tá comendo a sua tia Edileide. Olha só o depoimento.
Ela: "Meu amor que faz meu coração palpitar e a maçaneta delica..." Ah, que horror!
Ele: Viu só.
Ela: Meu Deus, minha tia...
Ele: Ela tem a foto de um pinto no álbum dela.
Ela: Um pinto?
Ele: É... olha aqui...
Ela: Credo... de quem será essa pica, meu Deus?
Ele (rindo): Deve ser... haha... do namorado do maçaneta.
Ela (em estado de choque): Gente... César... ela tem um pinto?
Ele: É, meu bem. Pinto... pica, caralho, cacete....
Ela: Que horror.
Ele: ... e outras coisas que o meu nível de obscenidades não me permite pronunciar.
Ela: Gente...
Ele: É... sua família...
Ela: E é isso que você faz nesse orkut? Fica bisbilhotando a vida da minha família.
Ele: Não, quê isso. Assim você me ofende. Tá me chamando de fuxiqueiro?
Ela: E o que mais você faz nisso?
Ele: Amizades. Conheço gente.
Ela: Ah, é?
Ele: É... olhar essa garotinha, por exemplo. Conheci na comunidade do Pato Donald.
Ela: ...
Ele: Ela me mandou uma borboleta linda feita de estrelinhas e "arrobas", sabe "arroba"?... então, olha que lindo!
Ela: Isso daí é uma sigla?
Ele: O quê?
Ela: Na asa da borboleta. Tem vários números 6.
Ele: Onde, amor?
Ela: Aqui, César. Olha. 666... 666... 666...
Ele: É, né...
Ela: Ai, que medo.
Ele: Do quê? Do número?
Ela: É... vai lá saber quem é essa garotinha... e se é realmente uma garotinha.
Ele: É, é?
Ela: É. Sabe lá se não é alguém que esteja envolvido em uma seita satânica.
Ele: Ahn?
Ela: ... e que estejam pregando uma nova profecia...
Ele (amedrontado): ...uhn...
Ela: ... reeenviando desenhos e figuras com mensagens subliminares afim de reunir os seus discípulos para rituais macabros...
Ele (desligando tudo): Ai, Luiza, desliguei. Pronto. Conseguiu.
Ela (rindo): Cagão!

16.4.06

Sem água, só açúcar

Eles acordam.

Ela: Ai, nossa... que horas são, hein?
Ele: Dez e meia.
Ela: O quê?
Ele: Tá bom. Dez e vinte e oito.
Ela (pula da cama): Ah, meu Deus. Céésaaar...
Ele: Que foiiiii?
Ela: Eu tinha que ter acordado às sete e meia.
Ele: Mas a gente acordou às sete e meia. Depois a gente transou e dormiu de novo. E acordamos agora novamente às dez e vinte e oito.
Ela (vestindo o sutiã): Ah, que droga. Por que você foi transar comigo?
Ele: Ué, porque eu gosto. Porque eu te amo.
Ela: Oh, amor. Você sabe que eu não caio mais nessa.
Ele: Mas qual é o problema de ter acordado um pouco mais tarde?
Ela: Eu vou me atrasar. Isso, se não perder meu emprego. Tinha uma reunião marcada para as nove horas. Uma reunião importantíssima sobre aquele novo contrato da empresa... o filho-da-puta do meu chefe não vai me perdoar.
Ele: É aquele tal lance dos japoneses?
Ela: Chineses, César! Chineses.
Ele: Tá bom...
Ela: Depois você ainda diz que me escuta. Quantas vezes eu falei que o contrato que estamos tentando...
Ele: Eu já entendi, Luiza. Posso só dizer uma coisinha?
Ela: Chineses, entendeu? (olha debaixo da cama) Cadê minha calciii-i-nha?
Ele: Luiza, calma.
Ela: Onde você colocou minha calcinha?
Ele: Tá ali em cima do abajur... deixa eu falar, agora?
Ela: Fala.
Ele: Hoje é domingo, amor. Domingo de Páscoa.
Ela: ...
Ele: ...
Ela: Eu não acredito. Esse trabalho tá me deixando louca.
Ele: Calma, meu bem. Olha, aqui. Quer ovo de chocolate?
Ela: De onde você tirou esse ovo?
Ele: Da cesta de páscoa que o seu chefe te mandou hoje de manhã.
Ela: Ah, é?
Ele: É. Quer um pedaço?
Ela: Me dá aquele coelhinho ali?
Ele: É de chocolate branco. Você não gosta.
Ela: Me dá a porra do coelho, César.
Ele (mais do rapidamente): Toma.
Ela joga o coelho contra a parede, enchendo o quarto de pedaços de chocolate.
Ele: ...
Ela: ...
Ele: Tá mais calma, agora?
Ela: Não, me dá mais uns dois kinder ovo.