24.10.08

Pingos nos "is" - Parte 2

Ela sentada na cama, de pernas cruzadas, tirando o esmalte na unha. Ele, enrolado no edredom, em pé, encostado na porta do banheiro, de braços cruzados.

Ela (olhando pra cima): Você trocou o ventilador de teto?
Ele: Troquei.
Ela: Por quê?
Ele: Um acidente.
Ela (sem entender): Ah...
Ele: ...
Ela: E aquela mancha no teto?
Ele: Qual?
Ela (aponta): Aquela ali.
Ele: Ah... hum... é.. cerveja preta.
Ela: Cerveja preta?
Ele: É. tem a ver com o acidente do ventilador.
Ela: Ah, tá.
Ele: ...
Ela: Você tá mais magro.
Ele: Tô? Obrigado.
Ela: ...
Ele: ...
Ela: ...
Ele: Sua irmã... ela tá bem?
Ela (ri): Tá... tá sim.
Ele: Qual a graça?
Ela: Ah, César. Você realmente se importa com a minha irmã?
Ele: Com ela, nem um pouco. Me preocupo com a criança que ela carrega.
Ela: Com ESSA criança você se preocupa, né?
Ele: Você tinha razão, Luiza. Sua irmã é maluca.
Ela (gargalha): ...
Ele (se emputecendo): Eu tô engraçado hoje, não tô?
Ela: Em primeiro lugar, muito... mas muito obrigada por reconhecer que estava errado. Em segundo lugar, nunca mais abra a boca pra falar assim da minha irmã, hein?
Ele: Em primeiro lugar, eu não estava errado. Eu só não queria atravessar 400km no meio da madrugada...
Ela: Ah, conversa fiad...
Ele (aumenta o volume): E em segundo lugar, a sua irmã mesmo se auto-diz maluca. E em terceiro lugar, Luiza, vá tomar no...
Outra (entra): Olha a pipoquinha! É light... sem gordura "trans".
Ele (puto): É porque de "trans" aqui já basta você, né, Mumu.
Ela (puta): ...
Outra: Eita, fechou o tempo de jeito. Perdi alguma coisa?
Os dois: Não!!!
Outra: Ai, meu São Benedito da Cabeleira Rosada...
Ela (volta ao cronômetro): Pronto. Começou de novo.
Ele: Quer saber, eu não quero mais conversa. Você também me deve explicações sobre esse segredinhos corporativos envolvendo chefes e jóias. Tudo muito suspeito.
Ela: O quê??
Ele: É. Muito bem. O Ulysses me contou. Ele viu tudo escrito no diário da Selma.
Ela: Meu Deus, a Selma ainda tem aquele diário velho?
Outra: Não. Ela comprou um outro. Capa dura, aveludada, bunito, minina...
Ele: Hei! Samuca! Cai fora daqui.
Outra: Não saio, não. Vocês estão sendo acerbos e intransigentes.
Os dois: O quê???
Outra: Luiza, a verdade é que o César e Ulysses estão juntos, sim... e os dois estão me agenciando.
Ela: O quê??
Ele: Mumu, tú és uma bicha ordinária, hein?
Outra: Ela ia descobrir de qualquer jeito, César.
Ela: Você é cafetão, César?
Outra: Epa, nêga, tá me estranhando? Sou pessoa de bem, hein?
Ela: Então?
Ele: Não é nada disso... É que... Eu estou agenciando, de acordo com a minha amiga aqui, porque na verdade ela trabalha no meu salão.
Ela: Salão?
Ele: É, Luiza. Salão.
Ela: Ah, não...
Ele: Pois é...
Ela (nervosa, coloca as mãos na cabeça): Ai, meu Deus.
Ele: ...
Outra (perdida): Não entendi, César. Ela ainda acha que eu sou puta?
Ele: Samuca, por favor.
Outra: Tá bom. Eu vou sair. Mas só mais uma coisa.
Ele: ...
Outra (entrega um livro): Nem você, nem Selma entenderam a situação da sua mulher.
Ela: Você roubou o diário da Selma?
Outra: Mas essa mulher tá me gastando de periferia toda vez. Olha aqui, não vou mais te ajudar, não, hein, ô!
Ela: Então como você conseguiu isso?
Outra: Xe-xeroquei...
Ele: Samuca?
Outra: Tá bom, eu não sou tão de bem assim, mas é por uma causa maior.
Ele: E você realmente se importa com o nosso casamento tanto assim?
Outra: Quem falou em casamento, nêgo? Eu tô é preocupada com o meu emprego em risco.
Ele: Tchau, mumu.
Outra (saindo): Vou levar a pipoca.
Ela: ...
Ele: Então...
Ela: Você já sabe o que eu penso.
Ele: A gente tá precisando de grana também. Isso pode ajudar. Porque eu sei e não foi o diário da Selma que me contou que eu não sou o único desempregado aqui.
Ela (encarando o chão): ...
Ele (ajoelha e faz ela olhar pra ele): Essas... garotas... elas são boas, Luiza. E eu vou poder fazer algo que eu realmente gosto.
Ela: Alisar cabelo de perua velha e bicha maluca?
Ele: É.
Ela: Ai, meu Deus.
Ele: ...
Ela: ...
Ele: ...
Ela: A quanto tempo você esconde isso de mim, César?
Ele: A uns cinco, seis meses.
Ela: Tudo isso? Como eu não percebi antes?
Ele : O salão fica na rua onde mora a minha mãe.
Ela (olha pro relógio): Tá explicado.
Ele: Que foi?
Ela: Parei de contar o tempo.
Ele: Hum...
Ela (olha pra ele): ...
Ele: Quanto ao diário da Selma...
Ela: César, não há nada para se preocupar.
Ele: Eu sei.
Ela: Sabe mesmo?
Ele: Ué, você tá aqui, não está?
Ela: ...
Ele (senta ao lado dela): Então...
Ela (sorri): Você não imagina a falta que você me faz...
Ele (mexendo no cabelo dela): Imagino sim.
Ela (deita no ombro dele): ...
Ele: ...
Ela (bate a mão na perna dele): ...
Ele (sorri): Não imaginava tanto assim.
Ela (ri): ...
Segundos depois, ele estava sem o edredom e ela sem o vestido.

30.9.08

Pingos nos "is" - Parte 1

Ele sai molhado do banheiro. Joga a toalha em cima da cama, abre a gaveta da cômoda procurando uma cueca limpa. Ela entra de repente, de mãos dadas com uma outra pessoa.

Ela: Então é isso, né, César?
Ele (se assusta, pulando pra debaixo da cama): Deus do Céu! O que é isso, pergunto eu. Que susto, Luiza!
Ela: Então é esse o seu segredo? Você e o Ulysses?
Ele (olha para a outra pessoa): ...
Ela: Isso mesmo. A Samuela me contou tudo.
Ele (puto com a outra): Você, hein...
Ela: Não senhor! VOCÊ que HEIN, meu filho.
Ele (cobre as “partes” com o edredom): Eu posso explicar. Não é nada do que você ta pensando, Luiza.
Ela: Nunca é o que eu to pensando, César. Quando será que eu vou estar pensando no que realmente é o que deve ser?
Ele: Hã?
Outra: Hã?
Ela (exaltada): Vo-você não ia explicar, César?
Ele: Calma.
Ela: Calma, nada. Chega de ladainhas. Quero os pingos nos “is”.
Ele: Eu explico. (para a outra) Você também, hein, Samuca?
Ela (truca): Samuca?
Ele (pede seis): É sim! Samuca! Minha assistente e... do Ulysses, também.
Ela: Ai, meu Deus.
Ele: Eu posso falar?
Ela: Sem ladainhas, Cé...
Ele (grita): Eu sei!
Ela: E sem gritar.
Ele (bufa): ...
Ela: Você também precisa se acalmar.
Ele: Tá bom.
Ela: ...
Ele: ...
Ela: Anda!
Ele: Tá!
Outra: Sem ladainhas, hein.
Ele (puto): Cala a boca!
Outra (sorrindo): ...
Ele: Bem, é... é... que... o... na verdade, há muito tempo... é....
Ela (suspira): Senta, Samuela, que o negócio vai ser demorado.
Ele (continua, enrolando-se no edredom): Então... eu meio que percebi...
Outra: Putz, vai demorar mesmo. Vou fazer pipoca. Quer pipoca?
Ela: Quero sim. Obrigada.
Ele (cruza os braços, com cara de besta): ...
Outra (saindo): Com manteiga ou sem?
Ele: Samuca!
Ela: Sem, querida.
Outra: Volto já.
Ele (olhando pra ela): ...
Ela (olha no relógio): Pode continuar.
Ele: Você ta cronometrando?
Ela: Tô.
Ele: Vai ficar me avaliando como se fosse membro de algum júri?
Ela: Ahã. Por isso, sem ladainhas.
Ele: Precisa mesmo de tudo isso, Luiza?
Ela: Cinco minutos, César.
Ele: Cinco?!
Ela: Eu decidi que não iria gastar mais do que cinco minutos em todo o processo.
Ele: Que processo, mulher de Deus?
Ela: Você me conta toda a história. Eu fico puta da vida, afinal você quase destruiu o nosso casamento por um detalhe ridículo, espero eu. Depois eu faço um comentário sobre a sua insensibilidade e o fato de você achar que eu sempre estou dando uma de neurótica e dependente. Você suspira fundo, aí tem aquele momento silencioso demarcado por aqueles “três pontinhos” e, em seguida, você faz um comentário irônico, porém gracioso, sobre a nossa relação. Eu vou dar um sorriso de canto de boca, aquele que você bem conhece. Você vai passar a mão no meu cabelo e eu vou dar um tapinha na sua perna. E, se você entender esse sinal, você vai perceber que eu estou mesmo é louca pra transar com você e esquecer toda essa “baboseira”.
Ele: ...
Ela: ...
Ele: ...
Ela (grita): Agora não é hora de silêncio!
Ele: Certo. Eu tenho cinco minutos, então?
Ela (olha no relógio): Três e meio.
Ele: Tá bom. Eu serei breve. Na verdade, o que está acontecendo é o seguinte...
Ela (ouve um barulho): Espera um pouco!
Ele: O que foi?
Ela (pausa o cronômetro do relógio): A pipoca ficou pronta.

25.6.08

Cu de Cu-nhada

Ele, de pijamas, deitado na cama, atirando uma bolinha para o ar. A cama desarrumada, cheia de embalagens de biscoitos vazias. No aparelho de DVD, uma voz feminina bem suave cantarolava. Uma mulher ruiva, vestindo um casaco de pele, entra, chutando uma garrafa de cerveja vazia, que se encontrava encostada ao lado da porta.

Outra: César?
Ele: Rose?
Outra (investigando cada canto do cômodo): Credo. Que bagunça...
Ele: Que ce tá fazendo aqui?
Outra: ... parece meu apartamento.
Ele: Rose...
Outra (se sentando na cama): Oi amor. Você cortou o cabelo, meu querido?
Ele: Eu?... Várias vezes desde a última vez que te vi.
Outra: Ah, é? Quando foi mesmo?
Ele: No seu casamento.
Outra: Ano passado?
Ele: Não, no outro casamento. O primeiro de todos. O piloto da série.
Outra: Nossa, sério? 2004 faz tanto tempo assim?
Ele: Rose, o que...
Outra (interrompe, se levantando): Tem algo pra beber?
Ele: Tem água, leite, acho que... suco na geladeira.
Outra: Não, amor. Não “pra bebê”. Pra beberrrr.
Ele (puto): Por que você está aqui?
Outra: Fiquei sabendo que o frajola e o piu-piu estão brigados.
Ele: Como sabe disso?
Outra: O frajola me ligou chorando.
Ele: Ela tá na sua casa, é?
Outra (mexendo no armário): Yeah, baby... Achei!
Ele: ...
Outra (pega um copo, cheira e decide tomar no gargalo): Você guarda seu whisky importado junto com suas meias, é?
Ele: Rose, eu...
Outra (rindo): Há! Você é muito meu parente, César!
Ele: Seja lá o que isso quer dizer...
Outra: Mas, venha cá... por que a briga, amor? O piu-piu não quer mais sair da gaiola, é?
Ele: Hã?
Outra (depois de um gole da garrafa): Eu soube que vocês estavam tentando...
Ele: Ela te contou?
Outra (sentando-se ao lado dele): Nem precisou. A última vez que ela foi em casa ficou três horas admirando o quarto do bebê... e quando eu digo “quarto do bebê” eu me refiro a uma área de serviço com um berço dentro.
Ele: É mesmo, é? Tão na cara assim?
Outra (depois de mais um gole): Ela emoldurou a foto do meu ultrasom.
Ele: Caramba.
Outra: Mas eu disse a ela, sabe, que se ela quiser mesmo e você, sabe, não conseguir... ela poderia até ficar com o meu.
Ele: Você seria capaz de dar o seu bebê?
Outra (grita): Tá maluco, amorzão?
Ele: Não, é que do jeito que você falou, eu pensei...
Outra (interrompe): Eu tô leiloando ele.
Ele: Leiloando?
Outra: É. Num site da internet. Coisa muito chique, cibernética.
Ele: Rose... esse bebê que você no momento introduz a vida alcoólica... esse bebê... ele... esse bebê é seu filho, sua monga!
Outra: Ai, eu sabia que ia começar a grosseria. Tava demorando, hein, ô Imperador da Tijuca?
Ele: Você está vendendo uma criança. Seu marido, por acaso, está como cúmplice desta insanidade?
Outra (terminando outro gole): Que marido? Meu marido, aquele alemão brocha, tá lá... em Berlim... nem sabe que eu estou grávida (dá mais um gole)... ainda bem, porque o filho não é dele.
Ele: Como assim “ele não sabe”? Você está grávida de seis meses!
Outra: Ah, sei lá... o Otto não me entende. Eu não o entendo. Um dia, ele simplesmente falou umas coisas em alemão pra mim, jogou meus exames de gravidez no chão, cuspiu, virou e foi embora para a Alemanha. Eu nunca entendi essa religião dele, sabe?
Ele: Rose, vê se me escuta, ô clone de Janis Joplin. Você não pode leiloar esta criança.
Outra (coloca a mão no ombro dele): César, meu querido... você sabe a admiração que eu tenho por você, não sabe?
Ele: Sei?
Outra: Você quer ser papai e não consegue. Quer ser marido e não consegue... quer ser engenheiro, médico, gerente, decorador e, convenhamos, só se fode. Agora tá tentando virar bicha porque, pelo amor de Deus, pijama mais chororô ao som de Marina Elali?
Ele: Essa é sua admiração pela minha pessoa?
Outra: Não, esse é meu total desprezo por você. O que eu admiro em você é a sua força de vontade e acima de tudo, a sua... o seu...
Ele: ...
Outra: Não, acho que é só a sua força de vontade mesmo.
Ele (já se emputecendo): Rose, pra que você veio aqui?
Outra: Pra te impedir de cometer uma loucura.
Ele: Tipo leiloar o meu sobrinho?
Outra (dando mais um gole): Leiloar quem?
Ele: Rose... quer saber, vá embora. E guarde isso, mulher. Você está grávida... não permito que desperdice meu whisky doze anos com um bastardo catarrento.
Outra: Já engrossou, hein, fubazinho.
Ele: Fubazinho é o seu...
Outra: Olha o respeito... pelo menos com um bastardo catarrento no recinto.
Ele: Some daqui.
Outra: César...
Ele (não olha, puto da vida): ...
Outra: Ei, chuchu...
Ele: O que é?
Outra: Não deixe que a única qualidade sua desapareça.
Ele (ri): Essa é muito boa.
Outra: Você sabe que não é o único que está perdido?
Ele: Ela quer me ver?
Outra: Você me mandou sumir, esqueceu?
Ele: Tchau, Rosemeire.
Outra (saindo): Tchau, amor.
Ele: ...
Outra (entra rapidamente, com um caderninho): Peraí, qual o seu lance?
Ele: Lance?
Outra: Pro leilão!
Ele: Sai fora, maluca.
A outra sai. Ele pega o telefone, mas desiste de ligar.

17.6.08

Le finale

Ela arrumando algumas coisas e colocando em uma mala. Ele entra.

Ela: ...
Ele: ...
Ela: Oi.
Ele: Oi.
Ela (continua guardando as coisas): ...
Ele: O que você tá fazendo?
Ela: Tô colocando coisas na mala.
Ele: Hum...
Ela: ...
Ele: E pra quê... as coisas na mala?
Ela: Tô indo pra São Paulo.
Ele (ri): Ué, que foi agora? Encontrou algum salame na minha gaveta?
Ela: ...
Ele: Vai visitar sua irmã?
Ela: ...
Ele: Vai ver o seu sobrinho? Aquele que ainda não nasceu?
Ela: ...
Ele: Poxa, essa coisa de maternidade mexeu mesmo com você.
Ela (fecha a mala): Por que você diz isso?
Ele: Parece que virou motivo pra fugir das coisas também.
Ela (ri, ironicamente): Meu Deus. Você não entende mesmo, não é?
Ele: Não entendo mesmo. Não consigo entender. Já cansei de decifrar códigos e controlar a minha vida por tabelinha. E isso vale pra tentativa de ter filhos e preconizar a TPM. Não entendo. Era isso que você queria ouvir? Pois, então.
Ela: Não, não era isso o que eu queria ouvir.
Ele: ...
Ela: ...
Ele: Quando você volta?
Ela: Quando é que você quer que eu volte?
Ele: ...
Ela (dá um sorriso sem graça): O Tico chega de Floripa hoje. Eu falei pra ele vir pra casa, mas ele não queria por causa da Selma, da Carol, enfim... se ele aparecer...
Ele: Não, pode deixar. Eu me viro com ele.
Ela: Obrigada.
Ele: ...
Ela: Eu comprei baterias para o seu barbeador elétrico.
Ele: Eu não preciso, Luiza.
Ela: Elas estão no armário ao lado da...
Ele (interrompe): Eu sei onde elas ficam.
Ela: Tá certo.
Ele: ...
Ela: Eu já estou indo. Só estava terminando de arrumar a mala.
Ele: Tudo bem.
Ela: ...
Ele: ...
Ela: Eu ligo quando chegar lá.
Ele (puto): Faça isso.
Ela (abraça ele): ...
Ele: ...
Ela: Eu não estou deixando você.
Ele: Então por que está tão desesperada para ir embora?
Ela (se enfurece): Caralho, mas que merda, César. Você não raciocina, não pensa, não entende.
Ele: Porra, mas que disco arranhado. E eu é que não entendo?
Ela: Não entende, não vê as coisas que acontecem na sua frente. Porque se você realmente me notasse, iria ver que eu não arrumei uma mala decente para uma viagem dessas. (abre a mala) Olha isso, eu estou levando uma bota, uma capa de chuva e uma ceroula.
Ele: Aonde “diabos” você arrumou uma ceroula?
Ela: Ouça-me, meu marido. Olhe pra mim. Perceba que eu estou viva. Aí então você vai enxergar que eu só esperei o momento de você entrar por aquela porta para fechar a mala na sua frente e você me impedir de fazer uma loucura, como sempre faz.
Ele: Pois é bem isso.
Ela: O quê?
Ele: Talvez eu esteja cansado de suas loucuras.
Ela: ...
Ele: Eu tô cansado de tentar impedir você de se ferrar com suas decisões e depois eu ainda sair como vilão da história.
Ela: Então deixa eu me ferrar.
Ele: Eu não posso, porque senão o louco serei eu.
Ela: Resumindo, você está cansado de mim.
Ele: Eu jamais me cansaria de você.
Ela (chorando): Então me diz quando eu devo voltar.
Ele: ...
Ela (enxugando as lágrimas): ...
Ele:...
Ela: Bom, eu estava indo, não é?
Ele: Eu... lhe ajudo.
Ela (pega a mala de volta): Não precisa.
Ele: ...
Ela: Eu sempre achei que isso tudo era muito fácil.
Ele: Isso o quê?
Ela: Nós dois e essa cama.
Ele (se aproxima dela): ...
Ela: Não beija a minha testa. Eu não quero.
Ele (se afasta): ...
Ela (indo embora): ...
Ele: Luiza.
Ela: O quê?
Ele: Me liga quando chegar lá.
Ela sai, carregando a mala, e fecha a porta. Ele deita na cama sozinho.

7.6.08

Album


Ele chega, correndo, em casa. Ela sentada, organizando fotos.

Ele: Ué, tá em casa?
Ela: Tô. Você não?
Ele: Tô... meio com pressa. Alguém ligou pra mim?
Ela (atenta apenas às fotos): Não.
Ele: Que fotos são essas?
Ela: Nossas... casamentos, Natal, aniversários, praia, Jurujuba... lembra de Jurujuba?
Ele: O iate clube?
Ela (olhando pra foto): Tem iate clube nesse lugar?
Ele (pega outra foto): Peraí... onde é isso?
Ela: O final de semana em Teresópolis.
Ele: Qual deles?
Ela: Qualquer um. A gente nunca fazia nada naquele lugar.
Ele: Deve ser em 2004 isso aqui. Você tava mais magra.
Ela (tira a foto da mão dele, puta da vida): Você não tava com pressa, César?
Ele: Tô. Vem cá, tem laquê em casa?
Ela (arrumando as fotos novamente): Tem, no armário do banheiro.
Ele: ...
Ela: ...
Ele (do banheiro): E glitter?
Ela: Hã?
Ele (volta até ela): Tem glitter?
Ela: Não. Pra quê?
Ele: Ah, esquece o glitter. Vai só o laquê.
Ela: O que você tá aprontando?
Ele (olhando a foto na mão dela): Carnaval em Ibitipoca!
Ela: Onde?
Ele (pega a foto dela): A gente no Carnaval.
Ela: Ah, é.
Ele (apontando para a foto): Olha só... tinha glitter.
Ela (ri, meio sem entender): É.
Ele (olha pra ela): ...
Ela (olha pra foto): ...
Ele beija a testa dela e sai, apressado.

4.6.08

Momentum 6

Ela dorme, sozinha em casa. A campainha toca. Ela acorda, passa as mãos no cabelo, e vai até a porta. Atende a loura óó-xigenada de voz irritante.

Outra (se assusta): ...
Ela: Pois não?
Outra: O salão tá fechado.
Ela: Salão?
Outra: Carlota do Salto Alto?
Ela (sem entender "bulhufas"): Hã?
Outra: O salão. Me disseram que você ia abrir às nove. Já são quase dez.
Ela: "Eu" ia abrir?
Outra: Você é a Carlota?
Ela: Eu?
Outra: É. A traveca do salão?
Ela (indignada): Não!
Outra: Ai, desculpa. Foi engano.
A outra vai embora, mandando um beijo do elevador. Ela, pela primeira vez na vida, tranca a porta pela corrente.

8.5.08

Falha deles...

Eles chegam em casa às 2 da madrugada. Ele, exausto, paletó no ombro gravata solta no pescoço. Ela não carregava mais aquele penteado deslumbrante.

Ele (zeloso): ...
Ela (puta da vida): ...
Ele: Luiza...
Ela: Não fala nada, César.
Ele: Amor...
Ela: Você também é culpado por isso tudo.
Ele: Como assim?
Ela: Se você não tivesse crucificado esse casamento, essa porra toda não acabaria em merda.
Ele (com tom irônico): Ah, tá.
Ela: ...
Ele: ...
Ela: O que foi?
Ele: Nada.
Ela: ...
Ele: ...
Ela: Tem coisa aí, hein.
Ele: Nada, Luiza.
Ela: Fala, César.
Ele: Eu posso mesmo falar?
Ela: Ué, você já meteu o seu bedelho na história toda, por que ficar calado agora, né?
Ele: Eu meti bedelho?
Ela: Meteu!
Ele: Desde quando?
Ela: Não sei, mas você anda metendo seu bedelho há um tempo já e não quer admitir.
Ele: Eu não meto bedelho, você está tirando conclusões precipitadas.
Ela: Ah, é... Claudinha, Soninha, Dorinha, Elisângela...
Ele: O que é isso, hein?
Ela: A sua agend-dinha, meu bem. Por acaso, o Tiago andou passeando pelas suas páginas amarelas?
Ele: Ah, mas eu sabia que você não estava nervosa simplesmente porque o seu filhote fugiu do altar.
Ela: Vocês todos estão num complô contra mim. E eu... eu, César, eu estou desarmada.
Ele: E quem aqui falou em guerra, Luiza? Que complô é esse?
Ela: Você, com seus encontros secretos... o Tiago com seus casamentos relâmpagos...
Ele: Perái, Luiza. Só teve um casamento relâmpago.
Ela (fica ainda mais puta): Então quer dizer que teve mais de um encontro secreto?
Ele: Hein?
Ela: César, agora você vai ter que me contar toda a verdade.
Ele: Luizaaa...
Ela: Quê?
Ele: Tá metendo o bedelho, hein...
Ela: Ah, mas vou meter até sangrar, meu querido...
Ele (se afasta dela, assustado): O que é isso?
Ela: ... você não sabe o que uma mulher no meu estado é capaz... Eu estou possuída, meu querido... pela FMD.
Ele: FMD?
Ela: A Fúria da Mulher Desprezada.
Ele: Jesus, quer que eu ligue para um exorcista?
Ela: César, você não percebeu que não é hora para piadinha?
Ele: E quem tá com piada ô... ô menina... você tá até babando de ódio, parece que tem um demo encarnado.
Ela (se sentando na cama): Ai, eu preciso me acalmar.
Ele: Quer uma agüinha com açúcar, amor?
Ela (grita): Não!
Ele (se assusta de novo): Ai, cacete.
Ela (chorando): Vocês dois querem me derrubar, é isso?
Ele: Amor, você está muito nervosa à toa.
Ela: Ele deixou a garota sozinha, César.
Ele: Ele... tem apenas 15 anos, Luiza.
Ela: ...
Ele: ...
Ela: E você? Qual a sua desculpa? Porque você não tem mais 15 anos, meu querido.
Ele: Não tenho. E também não pretendo deixar ninguém pra trás.
Ela: Vai me contar a verdade?
Ele: Não há verdade que colocará o NOSSO casamento em risco, meu amor.
Ela: Nossa, no momento certo, isso vira novela, hein.
Ele: Eu não posso te contar. Está acima do meu poder.
Ela: Ah, isso tá me cansando, sabe?
Ele: Eu só espero que você não se canse a ponto de fazer uma irresponsabilidade.
Ela (irônica): Tipo largar alguém no altar?
Ele (faz cara séria): ...
Ela: ...
Ele (aponta para o pescoço dela): Você não vestiu o colar que EU te dei.
Ela (tira o colar): Você mesmo disse que eu devia usar este.
Ele: E você concordou.
Ela: ...
Ele (beija a testa dela): ...
Ela (deita na cama, sozinha): ...
Ele (sai): ...
Ela (olha pra porta e depois pega o telefone): Alô? Selma?