14.11.07

Momentum 0,01

Ele pregando um quadro na parede com a ajuda de um garoto.

Ele: Tá torto?
Outro: Como é que eu vou saber?
Ele: Vê lá, Tiago.
Outro: Você aguenta o tranco aí, mano?
Ele: Agüento... "mano".
Outro (deixa o quadro nas mãos de César e verifica): Não, acho que tá bom.
Ele (fazendo força): Então volta aqui senão ele vai cair.
Outro (o ajuda novamente): Júlio...
Ele: César!
Outro: César... bom, eu queria ter uma conversa com você de homem pra homem.
Ele (derruba o quadro no chão): Ai, cacete... e você pensou que esta hora é a mais apropriada?
Outro: Bom, estamos só nós dois aqui. Acho que seria... legal se fosse só nós dois...
Ele: Aqui?
Outro: É.
Ele: Devo jurar dizer a verdade, nada mais que a verdade e os "cambau"?
Outro (ri): Os "cambau"...
Ele: Você me acha um tiozão, não é?
Outro: Sei lá, quantos anos você tem? Quarenta?
Ele: E quantos anos você tem? Sete?
Outro: Ei, eu faço quatorze anos, daqui duas semanas, tá bom.
Ele: Desculpe. Eu não sabia que você era já um homem formado.
Outro: Tá tirando onda, comigo, Imperador?
Ele (ri): Acho que agora você precisa de uma apelido melhor. Tico não é nada legal...
Outro: Eles não precisam me chamar de Tico.
Ele: Acho que a sua mãe iria gostar da exclusividade. Só ela te chama assim.
Outro: Mas e agora? Como vai ser?
Ele: Ué, Tiago. Eu não sei. Você pode mudar tudo ou pode escolher a mesma coisa.
Outro: Eu tenho que ter uma certeza sua.
Ele: Certeza do quê?
Outro: De que você vai cuidar dela.
Ele: Ela sabe se cuidar sozinha também, filho.
Outro (puto): Putz, três anos de casamento e parece que você não conhece a Luiza Cristina.
Ele: E você conhece?
Outro: Eu não. Quem decifra essa mulher?... Mas eu sei de uma coisa.
Ele: O quê?
Outro: Ela realmente gosta de você.
Ele (levanta o quadro): E eu gosto dela. Por isso que me casei com ela. Se convenceu agora?
Outro: É sério, Imperador.
Ele (derruba o quadro de novo): Puta qui pariu, garoto. O que você quer que eu faça?
Outro: Que fique sempre do lado dela! Aconteça o que acontecer.
Ele: Sempre?
Outro: É o que dizem sobre os casamentos.
Ele: ...
Outro: E aí?
Ele: Tiquinho, vai ser difícil sem você.
Outro: Quando a fera estiver atacada, você me bate um fio que eu venho correndo.
Ele (pegando o quadro): Eu aprendo a domar a jaguatirica.
Os dois gargalhando quando ela entra.
Ela: Oi amor.
Ele (pregando o quadro): Oi, meu bem.
Ela: Ué, Tico. Achei que ia se despedir da galera do prédio hoje.
Outro: Galera?
Ele (cochicha com o garoto): Viu só, "mor tiazona!".
Outro (ri): ...
Ela: Que qui vocês estão cochichando aí?
Outro (saindo): Nada, mãe. Eu tava esperando você chegar para pegar meu turno na ajuda ao imperador.
Ele: Não é preciso. O Imperador já terminou o "selvisso"!
Ela (desconfiada): Sobre o que vocês estavam falando?
Ele: Nada, amor. Estávamos divagando sobre uma mulher especial em nossas vidas.
Ela (beija o marido): ...
Ele: ...
Ela (sai, mas depois volta): César.
Ele: Eu?
Ela: Essa mulher especial sou eu, né?
Ele: An-hã.
Ela (saindo de novo): Ah, bom!

6.11.07

Assincronia - Parte 1

Noite de quarta-feira, ele chega do treino. Ela, com cara séria, meio chorosa.

Ele: Oi, marida.
Ela: Oi... meu esposo.
Ele (joga a chuteiras num canto): ...
Ela (olhando pra ele): ...
Ele (percebe): Tudo bem?
Ela: Ta.
Ele (beija-lhe o rosto): Linda.
Ela: César...
Ele: Oi, meu amor...
Ela: ... onde você ta indo?
Ele: Ué, tomar banho. Você odeia que eu deite na cama depois de chegar do treino.
Ela: ...
Ele: Tá tudo bem mesmo?
Ela: César, eu preciso lhe falar uma coisa.
Ele: Você ta grávida? Eu não acredito. A gente conseguiu?
Ela: Não. Não é nada disso. Eu estou tão oca quanto o seu pinto.
Ele: Valeu pelo apoio moral, hein.
Ela: Eu realmente não quero discutir isso agora.
Ele: Ta legal.
Ela: Senta aqui.
Ele: Eu?! Sentar aí? Na cama? Todo fedido e suado?
Ela (com os olhos lacrimejando): César, por favor.
Ele: É sério assim, é?
Ela: ...
Ele (senta): ...
Ela: Eu vou ser breve. Até para poder ouvir o que você tem a dizer logo.
Ele: Amor, o que ta acontecendo?
Ela: Eu levei o seu terno na lavanderia e encontrei esse números de telefone anotados num papel.
Ele (fecha a cara): Você encontrou isso?
Ela: Não, foi o pessoal da lavanderia.
Ele: Ah, certo.
Ela (sem entender a pergunta dele): ... Então... eu liguei... liguei para este número aqui...
Ele: Você ligou?
Ela (mais alto): Liguei!
Ele: Hum...
Ela: E uma mulher me atendeu e disse que era sua cliente.
Ele: ...
Ela: E depois eu fui ver sua agenda...
Ele: Luiza, você...
Ela (folheando a agenda dele): ... E vi uma lista de nomes, na letra C, a maioria nomes de mulheres.
Ele: Luiza...
Ela: César, eu não vou julgá-lo precipitadamente. Não sei quem são essas mulheres e muito menos o que você anda fazendo com elas.
Ele: Amor, não é nada disso que você está pensando.
Ela (meio que grita): Como é que você sabe o que eu estou pensando?
Ele: Com esse tom de acusação, depois de todo esse relatório investigativo, não fica difícil imaginar, não é?
Ela: Eu só quero uma explicação, César.
Ele: Ta... eu sei.
Ela: Então, pronto.
Ele: ...
Ela: Então?
Ele (faz uma cara de quem já está arrependido): ...
Ela: Ce-sar.
Ele: Eu não posso te explicar, amor. Não agora.
Ela: Como assim “não pode”? Eu sou sua mulher. Você me deve esclarecimentos diante de fatos que colocam o nosso casamento em risco.
Ele: Mas não há nada para se preocupar.
Ela: César, eu não acredito que...
Ele: Amor, você não confia em mim?
Ela: ...
Ele: Tá demorando pra responder.
Ela: Confio.
Ele: Então acredite quando eu digo que isso não é nada.
Ela: Nisso... eu não acredito.
Ele: Cacete, viu.
Ela: Eu preciso ir.
Ele: Aonde você vai?
Ela: Vou sair com o Tico. Ver a roupa dele pro casamento.
Ele: Ué, por que você não me disse isso? Eu teria vindo mais cedo pra ir com vocês também.
Ela (colocando a bolsa no ombro): Acho que você não é o único que tem segredos por aqui.
Ele: Luiza, não exagera.
Ela: Você esquenta a lasanha que tá no forno?
Ele (ri): Não faz cena, amor.
Ela: Se preferir, três minutos no microondas... ou até derreter o queijo.
Ele: Eu sei ler a caixinha, amor.
Ela (olha com ódio pra ele): Que bom que você sabe ler a caixinha, César.
Ele: Luiza, eu tô brincando.
Ela (grita): Dá pra parar um segundo e ver que isso não é piada.
Ele (fica sério): Amor, eu preciso que você confie em mim.
Ela (ri): ...
Ele: ...
Ela: Ah, desculpe pensei que fosse outra piada.
Ele: Luiza...
Ela (grita de novo): César!
Ele: ...
Ela: Eu não volto logo.
Ela sai, batendo a porta.