17.12.06

Rapidinha

Ele entra no quarto falando no telefone celular e se depara com ela, vestida de sado-Mamãe-Noel, com um chicote vermelho na mão.

Ele: A oferta foi essa. Os japoneses queriam renegociar, mas... (ele olha pra ela) Eu te ligo mais tarde.
Ela (de salto em cima da cama): Hey Bad boy.
Ele (ri): Luiza, o que é isso?
Ela: Seu presente chegou mais cedo, garanhão.
Ele: Pô, eu nem me lembro se foi isso que eu pedi na minha cartinha.
Ela: Bom... depende muito se você foi um bom menino... (dá uma chicoteada na bunda dele)
Ele: Ai, caralho Luiza, isso dói!
Ela: Dói, é?
Ele: Não dá pra ser sem o chicote?
Ela: Bom, veremos. (abraça ele) Você escovou os dentes todos os dias? Fez a lição de casa? Ajudou sua mamãe?
Ele: Tinha que me fazer visualizar minha mãe nessa hora?
Ela: É, desculpe.
Ele: ...
Ela: Então...
Ele (tira a roupa): Vamo logo pro jingle bell, Noelita!
Ela (ri): ...
Dez minutos depois. Ele deitado fumando um cigarro. Ela deitada, com as pernas pra cima.
Ele: Precisa ficar nessa posição?
Ela: Preciso, eu não quero arriscar nada. Tô ovulando nesse exato momento.
Ele: Extatamente... como você sabe?
Ela: Ah, César. Mulher sabe dessas coisas.
Ele: E funciona esse lance de ficar de ponta cabeça?
Ela: Ajuda o espermatozóide preguiçoso.
Ele: Epa! O meu espermatozóide não é preguiçoso.
Ela: César, apaga esse cigarro. Vai atrapalhar na fecundação.
Ele: Tá bom. Tá bom... Sua mamãe noel louca varrida.
Ela (ri): ...
Ee olha o relógio.
Ele: Ihh, vou ter que trabalhar.
Ela: Já? Mas ainda são meio dia e meia.
Ele (colocando a camisa): Eu sei, mas é que eu tenho reunião com uns japoneses amanhã. O pessoal quer estar bem preparado para isso.
Ela: Japoneses, é?
Ele: É. Coisa importante. E você, não trabalha hoje?
Ela: Tirei folga.
Ele: Folga?
Ela: É.
Ele: Pra quê?
Ela: Para organizar um campanha de uma ONG que ajuda as pesquisa marinhas sobre os peixes elétricos do sul da Patagônia.
Ele: Entendi. Pra transar comigo.
Ela: Exato.
Ele: Eu tô indo. Você vai ficar aí?
Ela: Vou. Eu tenho o dia livre hoje pra ficar com as pernas pro ar.
Ele: Então tá bom... Tchau, marida.
Ela: Tchau, esposo.
Ele sai, mal vestido.
Ela (olhando pra cima): ... Caralho, aquele lustre tá sujo pra caramba.

16.12.06

Mais uma história...

Ele dormindo esticado na cama. Ela chega, com uma mala de viagem.

Ele (acorda): Oi, minha esposa.
Ela: E aí, meu marido?
Ele: Que horas são?
Ela: Duas e meia.
Ele (esfregando os olhos): Pô, Luiza, por que você não ligou? Eu te buscava no aeroporto.
Ela: Não, muito tarde. Peguei um táxi.
Ele: Certo.
Ela (coloca a mala no canto): ...
Ele: E sua irmã? Tá surtada ou doente?
Ela: Eu me convenço de que são apenas surtos.
Ele: E o bebê?
Ela: É... é pequeno ainda. Pra ser sincera eu não vi nada naquela foto do ultrasom.
Ele: Riscos de estrabismo?
Ela: Zero.
Ele: Ei... viu só.
Ele beija ela.
Ele: Tá cansada?
Ela: Um pouco. Por quê?
Ele: Tá meio séria, sei lá.
Ela: ...
Ele: Hein?
Ela(tirando os sapatos): César... eu vim pensando no caminho.
Ele: Vixe, já vi tudo.
Ela: Não, você não viu.
Ele: Ah, tá. Fala.
Ela: Eu... você sabe quando você abomina uma coisa e de repente aquilo que você tanto abomina parece ser tão cheio de graça e tão fácil... sabe, quando a gente pensa que uma coisa pode ser um horror, mas de repente toda a positividade referente a essa coisa se materializa num instante?
Ele (com carinha de conteúdo): Amor... eu acabei de acordar.
Ela: ...
Ele: ...
Ela: Eu quero engravidar.
Ele: Você o quê? Você quer ficar grávida? Grávida de uma criança?
Ela (sem paciência): Não, César. De um hipopótamo.
Ele: Mas... você odeia crianças.
Ela: Não. Eu não odeio.
Ele: Ah, então são ela que te odeiam.
Ela: É, mais ou menos isso.
Ele: ...
Ela: E então?
Ele: Então, o quê? Tem mais coisa?
Ela: Como "mais coisa", César? Quero saber o que você acha?
Ele: De ter um bebê?
Ela: É.
Ele: Acho... legal.
Ela: A médica da minha irmã disse que eu tenho um bom quadril para expulsar... é... como é que fala... soltar, é... cuspir a criança ao mundo?
Ele: Parir?
Ela: Parir, isso.
Ele: Sério mesmo??
Ela: Ou isso, ou a sapata tava me bulinando colocando a mão na minha bunda daquele jeito.
Ele: ...
Ela: Eu quero isso, César.
Ele: O quê? Cuspir uma criança ao mundo?
Ela: É... e depois fazê-la do nosso jeito.
Ele: Tem certeza que podemos fazer isso? Como sabemos se somos bons pais?
Ela: Eu sei lá. E a gente se deve perguntar isso?
Ele: Ué, acho que sim. Não?
Ela: ...
Ele: Caralho, essa conversa vai longe.
Ela: Eu quero terminá-la.
Ele: São quase 3 da manhã.
Ela: Eu quero engravidar, César. Eu quero ter um filho.
Ele (faz piada): Comigo?
Ela (ri): Pode ser. Você até que é bonitinho. Inteligente. Não tem tanta loucura hereditária no histórico.
Ele: ...
Ela (abraça ele): ...
Ele (a beija a testa): Então... deixemos de ser apenas DOIS nesta cama.
Ela: Tem certeza?
Ele: ... Tenho.
Ela: Não tá apavorado?
Ele: Um pouco. (imita ela) Será que ele vai nascer zarolho?
Ela: Bobo. É sério.
Ele: Eu tô um pouquinho nervoso, mas... vai ser... vai dar tudo certo.
Ela: Mas é meio difícil. Tudo vai mudar.
Ele: Deixe mudar. A gente bem que precisa de mudança.
Ela: César eu não tô falando de um móvel, nem de uma TV nova... é um filho.
Ele: Porra, Luiza. Eu já concordei, você quer agora que eu desista?
Ela: Tá bom. Desculpe.
Ele: ...
Ela: ...
Ele (beija a mão dela): Então...
Ela: ...
Ele: Vamo fabricar a parada?
Ela (ri): Ué, não tava com sono?
Ele: Tava com sono pra discutir relação... mas pra outra coisas...
Ela: César, você sempre acha que eu quero discuitr relação, não é? Pois o senhor fique sabendo...
Ele (interrompe): Ah, mamãe vai me colocar de castigo de novo?
Ela (joga um travesseiro nele): Ah, vê se dorme.
Ele a agarra, a deita na cama e beija a barriga dela.
Ela (sorrindo): ...
Ele: É... eu te amo.
Ela apaga a luz do abajur, o abraça e dorme.


26.11.06

Um na Cama

Caixas de pizza em cima da cama desarrumada. Ele esticado na cama, olhando pro teto. O som alto abafou a chegada do amigo, que desliga o rádio fitando a situação de César.

Outro: Opa!
Ele: Ah... graças a Deus que você chegou!
Outro: Pois é.
Ele (jogando as caixas pro canto): Tá meio bagunçado... a... deixa eu ver se...
Outro: Então... por que o telefonema urgente?
Ele: Nada demais, queria conversar contigo.
Outro: Cadê sua esposa?
Ele: Viajou.
Outro: Tá virando viado, seu César?
Ele: Porra, Ataíde. Claro que não. Tá me estranhando?
Outro: Então
por que me chamou? Qual a urgência?
Ele: Nenhuma. Meu deus, será que eu não posso querer atualizar as conversas com um amigo. Faz tempo que a gente não bate um papo, toma uma cervejinha, não faz não?
Outro: Seu César. Eu sou apenas o porteiro do prédio. E que eu me lembre, a gente nunca tomou cerveja juntos.
Ele: Tá mais do que na hora da gente mudar isso.
Outro: É?
Ele: É. Sentaí.
Outro (senta do lado de César): ...
Ele: E aí, vamos falar do quê? De mulé... futebol? Qual seu time do coração?
Outro: Eu sou Bahia desde criança.
Ele: Bahia.... Mto bom... o Bahia... é... tá numa fase difícil, né.... mas, é.... é um time bom. Tem sua... né....
Outro (apenas concorda): ...
Ele (sem graça, acende um cigarro): Ih, vem cá... você fuma?
Outro: Não, senhor.
Ele: Sem essa de senhor, Ataíde. Afinal, a gente tá aqui... né... nós dois... ó... amigos do peito. Sem formalidades, não é?
Outro: É... é sim.
Ele: Então... quer um cigarro?
Outro: Não. Eu não posso.
Ele: Ah, não. Por quê?
Outro: É... Problemas de doença causada pelo cigarro na minha família. Minha irmã morreu por causa de cancêr no pulmão e meu afilhado agora, só tem vinte e dois anos, tá com um buraco na traquéia desse taman...
Ele (interrompe, jogando o cigarro fora): É... o cigarro é uma mal danado, né... fumar realmente é uma atitude escrota.
Outro: Muito escrota.
Ele: Muito. Muito escrota.... e... aqui, vamo tomá uma cervejinha?
Outro: Muito obrigado, senhor. Eu não bebo.
Ele: Ah, não bebe também?
Outro: Não. Problemas de doença...
Ele: ... na família, né. Compreendo.
Outro: ...
Ele: Eeee... a sua esposa como está?
Outro: Não sei. Ela me deixou no mês passado. Levou os meninos e o Gusmão.
Ele: Gusmão?
Outro: É, meu cachorrinho.
Ele: Ah, o ca-cho-rriiiiinho.
Outro: Pois é. Disse que não dava mais, que queria o divórcio, se mudar.... mas como o divórcio tá caro, a gente só se separou mesmo.
Ele: Que coisa, hein, Ataíde...
Outro: É...
Ele: ...
Outro: ...
Ele (eufórico): Quer pizza? Tem pizza lá no forno. Cara, acabei de lembrar. Tem uma picanha no refrigerador. A gente desce lá no play, e faz um churrasco, o que você acha?
Outro: Não, obrigado. Eu não como carne.
Ele (meio puto, resmungando): Também não come carne?... Entendi.
Outro: ...
Ele: ...
Outro (olhando pro teto): ...
Ele (toma um gole de cerveja): ...
O telefone toca.
Ele (atende na velocidade da luz): Aloô?
Outro: Seu César... eu vou...
Ele (desesperado): Não, não tô ocupado, não. Tô tranquilo.
Outro: ... vou lá na portaria.
Ele: Espera um pouquinho. Não desliga não... (volta ao amigo) Valeu, Ataíde. Bom serviço, hein.
Outro (sai, quieto): ...
Ele: Não. Eu tô muito interessado em saber dos seus planos de parcelamento. Trabalho com VISA sim. Claaaaaro.

14.11.06

O Bebê de Rosemeire

Ela chega em casa, cansada. Ele na cama, organizando as contas da casa.

Ele: Olá, minha esposa.
Ela: Oi, meu marido.
Ele (na calculadora): ...
Ela (desanimada): ...
Ele: Como é que foi o curso?
Ela: Ah, nem te conto como foi esse curso.
Ele: Ué, não gostou?
Ela: Não, eu adorei.
Ele: Então...
Ela: Ai, César. Sabe aquela situação em que você deseja perder um dedo pra não estar presenciando?
Ele: Ihh, cacete... o que aconteceu?
Ela: O professor era zarolho!
Ele: Zarolho? Como assim? Vesgo, você quer dizer?
Ela: Não, zarolho mesmo, o que é bem pior do que vesgo. Daí você já pode adivinhar o que aconteceu, né.
Ele: Putz, que merda. Professor estrábico, cachorra no cio e sogra em praia de nudismo são três coisas que deviam ser abolidas do senso comum terrestre.
Ela: Terrestre?
Ele: É... não me atrevo a me envolver com dogmas e me expressar por planos celestiais, não é?
Ela (confusa): Planos celestiais?
Ele: Ou demoníacos. Eu só afirmo isso perante ao espectro da raça humana, que é o que eu conheço. Deus me livre de me debater com uma sogra nua morta ou uma cachorra tarada vinda dos céus.
Ela (percebe toda a ladainha): Em outras palavras...
Ele: ... professor estrábico é uma merda.
Ela: ...
Ele: ... e junto com a cachorra no cio e a sogra na praia naturalista...
Ela: ... são precursores das maiores vergonhas do mundo.
Ele: É, pode-se dizer que sim.
Ela (entra na dele): Não, é sério. É fato. Comprovado pelo Índice de Embaraço e Constrangimento computado através de pesquisas realizadas pela ONU.
Ele (vendo a conta do cartão de crédito): É mesmo?
Ela: Como é que ia saber, César? Você vem me falando de cachorra, sogra pelada e planos celestiais só porque eu falei do meu professor vesgo.
Ele: Estrábico.
Ela: Não. Zarolho, que é pior.
Ele: Você parcelou a compra do abajur?
Ela (muda o tom): Foi sim.
Ele: E vem cá, o que mesmo aconteceu na aula com o zarolho?
Ela: Pô, um professor zarolho, o que poderia ter acontecido?
Ele: Ué, milhares de coisas... e esse valor aqui? $67,80?
Ela: O óculos do seu pai.... pô, César, mas qual a coisa mais óbvia?
Ele: Que coisa mais óbvia? Eu sei lá. Pode ter acontecido um monte de coisas.
Ela: Eu falei pra você adivinhar.
Ele: Ah, Luiza, tô muito ocupado pra adivinhar.
Ela: Ah, esquece essa conversa. Foi uma merda mesmo.
Ele: ...
Ela: ...
Ele: Aqui. $105,40?
Ela: O mocassim da mamãe.
Ele: Sua mãe usa mocassim?
Ela: É, usa. Também tá no TOP das maiores vergonhas mundiais.
Ele: Ué, achei que queria terminar esse assunto.
Ela: O assunto do professor tá terminado. O das vergonhas não.
Ele: Por falar em vergonha e mocassim, sua mãe ligou.
Ela: Ai, que saco. O que ela queria?
Ele: Nada. Ficou falando um monte de coisas que eu não entendia depois disse pra te dizer que ela ligou.
Ela: E as coisas lá em casa? O papai tá melhor da coluna? A minha irmã tá bem?
Ele: Tá. O bebê está ótimo, apesar de tudo.
Ela: Que bebê?
Ele: Sua irmã tá grávida de quatro meses, Luiza.
Ela: Sério?
Ele: Você realmente escuta a sua mãe?
Ela: Quase nunca. Ela vive falando umas coisas que eu não entendo.
Ele: ...
Ela: Por que você disse "ótimo, apesar de tudo"?
Ele: Como?
Ela: Você falou "o bebê está ótimo", deu uma paradinha e depois disse "apesar de tudo".
Ele: Ah, sim. É que a sua irmã entrou no estado Alfa ao Ducentésimo Cosmo Universal.
Ela: Isso tem a ver com aquele seu assunto de planos celestiais?
Ele: Não.
Ela: O que isso quer dizer, então?
Ele: Quer dizer que a última depressão dela superou as outras cinco. Ela agora acha que carrega o fruto de uma entidade celestial em seu ventre.
Ela: No meu ventre?
Ele: Não, Luiza. No ventre dela.
Ela: Como assim? "Tipo" ela tá grávida de Deus?
Ele (ri): "Tipo" que eu também não entendo as loucuras da sua irmã.
Ela: E o que tem a saúde do bebê tem a ver com isso?
Ele: É que... ela tentou um aborto natural.
Ela: "Tentou" um aborto natural???
Ele: De novo! Eu não entendo as loucu...
Ela: Tá. E o bebê?
Ele: Tá bem. Mas o médico disse que se tal fato voltar a acontecer, me parece que a criança pode sofrer algum dano físico.
Ela: É mesmo, é?
Ele: Foi o que eu entendi.
Ela: Ai, César. Será que ele vai nascer com estrabismo?
Ele: Por se tratar de ser uma cria da sua irmã, uma criança com estrabismo seria a menor das minhas preocupações.
Ela: Ai, César. Eu vou ter quer que ir até lá.
Ele: Tá bom. Você quer ir mesmo?
Ela: Un-hu.
Ele: Então no fim-de-semana, a gente ...
Ela: Não, eu quero ir agora.
Ele: Luiza, são onze e meia da noite.
Ela: César, eu preciso salvar meu sobrinho.
Ele: De quem? Da mãe dele?
Ela: Exato.
Ele: Luiza, você vai quereu dirigir até São Paulo, a essa hora da noite?
Ela: Vou de ônibus.
Ele: Porra, Luiza.
Ela: Porra, César. Meu sobrinho vai nascer zarolho, caralho!

8.11.06

A Noite é nossa...

Ela no telefone com a amiga.

Ela: ... falou como se eu nem tivesse lá. Esse povinho que trabalha com cinema é foda... Cinema? Que horas? Às oito?... Ah, Selma, hoje acho que não vai dar... Ah, não sei, eu tô ficando muito pouco junto com o César. O César!... Meu mariiido!... Então, ele tá trabalhando muito, eu também, a gente mal tem tempo de se ver e hoje coincidiu de nós temos a noite livre... Não sei, tô pensando em alguma coisa romântica... só nós dois, velas, vinho, sei lá...
Ele (entra de repente, gargalhando): Luiza...
Ela: Fica pra depo... (olha pro marido) Oi, meu bem.
Ele: Olha só a "bitucona" que eu tirei do nariz, é igualzinho ao Mickey Mouse de perfil... olha!
Ela: ...
Ele (ligadão): Não parece?
Ela (volta ao telefone): Selma, te encontro às sete e meia na bilheteria, tá bom?

31.10.06

Me, myself and Youtube

(Para Daniel Sakê Tcheba Madureira, porque você faz valer a pena!)

Dois semi-nus em cima da cama.

Ele: Luiza.
Ela (zapeando os canais da TV): Oi.
Ele: Vamos fazer de novo?
Ela: Ai, César. Não quero mais não.
Ele: Só mais uma vez.
Ela: Não. Tô cansada. Chega.
Ele (animado): Vamo, vai. Só mais uma. Depois eu não te peço mais.
Ela: Eu disse "Não", porra.
Ele: Porra, Luiza.
Ela: Ai, que saco. Tá bom, mas é a última vez, hein?
Ele: Tá.
Ela: ...
Ele: Mas tem que fazer daquele jeito, que nem da outra vez... tem que fazer direito.
Ela: Tá, tá bom.
Ele: Vai... começa então.
Ela: Você começa.
Ele: Ah, tá...
Ela: ...
Ele: "Wanna a strawberry? You can't have it!"* (*Quer um morango? Você não pode ter!)
Ela (faz cara de choro): "But I wanna have it..."(Mas eu quero...)
Ele: "You're a stupid little baby there!" (Você é um bebê estúpido!)
Ela (chorando): Ohoho... "I'm not stupid!" (Eu não sou estúpido!)
Ele: "Yes, you are." (Sim, você é.)
Ela (gritando): "I'm not!!" (Eu não sou!!)
Ele (rindo): "Yes, you are!" (Sim, você é!)
Ela: "I'm not stupid!... I'm not stupid!" (Eu não sou estúpido!... Eu não sou estúpido!)
Ele (ri): ...
Ela (joga ele da cama): Pronto. Tá feliz agora?
Ela volta pra TV enquanto ele morre de rir, esticado no chão do quarto.

27.10.06

Chatuuuuu!

Ela recém-saída do banho, passando creme nas pernas, limpando os poros do rosto... enfim, um ritual já conhecido de muitas noites. Ele a observa.

Ela: ...
Ele (encarando a esposa): ...
Ela (olha pra ele): ...
Ele (senta do lado dela): ...
Ela: Que foi?
Ele: Luiza, você já reparou o quanto você é insuportável?
Ela: Por que essa pergunta, César?
Ele: Não... é que eu não entendo.
Ela: Não entende o fato de eu ser insuportável?
Ele: Não, o que eu não entendo é o fato de que você sabe que é insuportável e não faz nada pra mudar.
Ela: Pra que eu iria querer mudar?
Ele: Pra gente viver mais harmoniosamente.
Ela (ri): ...
Ele: Qual a graça, agora?
Ela: Você já reparou o quanto esse seu assunto é que é chato, César?
Ele: Mas é necessário.
Ela: Necessário, o cacete. Você tem uma síndrome. Essa é que é a verdade.
Ele: Síndrome?
Ela: É. Você foi criado por uma alcoólatra cleptomaníaca e por um corretor da bolsa agorafóbico. As brigas e disputas as quais você foi exposto lhe trouxe esse dom, essa psicose de querer viver harmoniosamente dentro do casamento a cada segundo. Isso é um saco.
Ele: ...
Ela: ...
Ele: Tá vendo como você é chata.
Ela: Ai, César. O que você quer de mim, hein?
Ele (analisando o físico dela): ...
Ela: Além das minhas coxas...
Ele: Nada... você não entende.
Ela: Então me fala.
Ele: Nada, esquece.
Ela: Não vai falar mais comigo?
Ele: ...
Ela: Voltamos aos 12 anos?
Ele: ...
Ela: Há quanto tempo somos casados?
Ele: Cinco anos e meio.
Ela: Você quer pedir a anulação?
Ele: Já é tarde.
Ela: Quer o divórcio?
Ele: Não.
Ela: Quer uma amante? Olha que eu conheço umas mulheres maravilhosas e um pouco menos insuportáveis.
Ele: Engraçadinha.
Ela: Não?
Ele: Não.
Ela: Então, se me der licença...
Ela passa a mão cheia de creme no rosto dele e apaga a luz para dormir.

23.10.06

30...!

Ela entra no quarto e o encontra pulando na cama, com uma corneta na mão e uma garrafa de vodka, pela metade, na outra.

Ela: César...
Ele: Amooorr... meu amooor!
Ela: O que você tá fazendo?
Ele: Amooorr... Luiza... vem!
Ela: César, cê tá maluco?
Ele: Felicidade... o mundo é perfeito!
Ela: Nota-se pela quantidade na garrafa.
Ele: Quer um gole?
Ela: César, ainda são duas da tarde.
Ele: Eu sei. Quer um gole?
Ela: Não... César, o quê é isso? Você sempre me repreende por migalhas no edredom, agora tá quase arrebentando o estrado.
Ele (soprando a corneta): Trinta, Luiza. Trinta!
Ela: Trinta o quê, meu bem?
Ele: Trinta publicações sobre a nossa vida naquele blog que você odeia.
Ela: Grande merda.
Ele: Já é alguma coisa, benzinho.
Ela: E daí, "benzinho"? A gente ganhou alguma coisa com isso?
Ele: Ué, reconhecimento, amor.
Ela: Reconhecimento da onde, César?
Ele: Você mesmo disse uma vez que uma mulher te parou na rua por causa de um texto do blog, lembra? Ela queria saber o nome daquele adesivo que você usa pra abortar...
Ela (tirando os sapatos): Nossa, você ainda não entendeu a história do adesivo, né?
Ele (meio bêbado): Luiza, vamos comemorar, amorzinho.
Ela: Ai, César. Não vejo isso como motivo pra festa.
Ele: Pô, é o nosso casamento. Nossas alegrias e tristezas durante cinco anos juntos. Nosso altos e baixos. Nossa intimidade, nossa vidinha singela.
Ela: Eu odeio vidinha singela.
Ele: Nossas transas...
Ela: E nossas "faltas de transas" também.
Ele: Então, amor. É nossa vida, cara. Vamo... vamo... vamo celebrar.
Ela (pensando em tudo o que ele disse): ...
Ele: Hein?
Ela (bufando): Me dá um pouco dessa vodka então, vai.

19.10.06

Falha Nossa

Os dois nus, debaixo do lençol, sentados na cama.
Ele: ...
Ela: ...
Ele (raivoso): ...
Ela: César.
Ele (ligeiro): Não fala nada, Luiza.
Ela (compreensiva): Amor...
Ele (interrompe): Não vem me crucificar, não... você também é culpada.
Ela: Como assim?
Ele: Isso nunca me aconteceu antes.
Ela (com um sorrisinho irônico): Tá.
Ele: Que foi?
Ela: Nada.
Ele: ...
Ela: ...
Ele: Tem coisa sim.
Ela: Nada, amor.
Ele: Ué, Luiza. Vai ficar escondendo as coisas de mim.
Ela: Putz, depois sou eu a psicopata.
Ele: Fala.
Ela: Ai, César.... é mentira.
Ele: O quê?
Ela: É mentira sua.
Ele: O que é mentira?
Ela: Isso... de que é a primeira vez que isso te acontece.
Ele: Por quê? Já aconteceu antes?
Ela: Comigo?? Só umas doze vezes.
Ele (envergonhado): Você contou quantas vezes eu falhei na cama?
Ela: Contei. Contei todas. Doze. E eu tô falando das vezes que você falhou enquanto tentava alguma coisa... não tô contando com os momentos em que você nem se quer manifestou o Mestre dos Magos frente a minha Caverna do Dragão, meu bem.
Ele: Caverna do Dragão? Isso é coisa da Selma, não é?
Ela: Não, isso é coisa sua. Você me ensinou essa expressão numa dessas suas falhas.
Ele: Eu devia estar bêbado.
Ela (bem-humorada): Você estava apaixonado, meu bem... e um pouco "broxa" também.
Ele: Só um pequeno detalhe.
Ela: Concordo.
Ele: Eu tô falando da piada, Luiza.
Ela: Eu também.
Ele: ...
Ela (se joga em cima dele): E aí, quer tentar de novo?
Ele: Você se importa de esperar um pouquinho?
Ela: Não. Por quê?
Ele: Eu queria tentar me recompor.
Ela (ri): Coisa de boiola, hein, César.
Ele: Vai me ajudar ou não?
Ela (ainda rindo): Vou, mas eu vou lá na cozinha comer alguma coisa enquanto você tenta reavivar a serpente doente, aí.
Ele: Esse tipo de comentário sobre meu pinto não vai ajudar nada no estímulo.
Ela (perde o bom humor): Ai, César. Como você é chato. Tudo o que eu falo é ofensa.
Ele (se indigna): Você não tá colaborando!
Ela (se indigna): Eu?
Ele: É. Fica com piadinhas, trocadilhos e risinhos aí...
Ela: Eu tô tentando descontrair, sei lá, ver o lado positivo da situação.
Ele: Lado positivo. Que lado positivo essa situação tem, menina?
Ela (se emputece): Meniiiina?
Ele: ...
Ela (escandaliza): Quer dizer que você tá com essa minhoca em estado de coma aí, enquanto eu, em estado de "me coma" aqui, não estou colaborando. É isso?
Ele: Quer saber? Eu é que vou pra cozinha.
Ela: Vai. Vai sim. Quem sabe lá, você consegue comer alguma coisa!
Ele pula em cima dela.

10.10.06

Momentum 4.8

Dois na cama. Hora da Leitura... interrompida pelo pensamento.

Ela: Sabe o que eu tava pensando?
Ele: Hum...
Ela: A xoxota da mulher, quando tá naquele esta...
Ele (interrompe, num ar político): Não, Luiza... agora não.
Ela: ... é... tá.

E voltam a leitura.

1.10.06

Troca de Papéis 2

Ele batucando numa caixa de sapatos. Ela pintando as unhas dos pés.
Ele (cantando): "Um velho calção de banho, um dia pra vadiar..."
Ela (sorri): ...
Ele: "... um mar que não tem tamanho"... Pô, Luiza, a gente bem que podia pegar uma praia amanhã, hein?
Ela: É mesmo, né?
Ele: Faz um tempão que a gente não vai à praia.
Ela (abrindo um vidrinho de esmalte): Porra, faz mesmo, né?
Ele: Então?
Ela: O quê?
Ele: Como o quê, amor? Praia, amanhã?
Ela (soprando o esmalte da unha): Vamo, amor. Vamo sim.
Ele: A gente pode chamar a Ana Maria com o Tadeu pra ir com a gente.
Ela: ...
Ele: Vou ligar pra eles. Tem o telefone deles?
Ela: De quem?
Ele: Do Tadeu e da Ana Maria.
Ela: Qual telefone você quer? Do Tadeu ou da Ana Maria?
Ele: Da casa deles, ué.
Ela: Eles se separaram, César.
Ele: O Tadeu?
Ela: É.
Ele: E a Ana Maria?
Ela (borra a pintura): Ai, merda... éééé César. O Tadeu e a Ana Maria... se separaram, ué.
Ele: Poxa, um casal tão feliz. Viviam na casa dos meus pais, fazendo festas...
Ela (indiferente): Pois é.
Ele: Como é que você soube disso?
Ela: Sua mãe.
Ele: Sei.
Ela: ...
Ele: Vem cá. E a praia?
Ela: Que tem a praia?
Ele (já meio estressado): Amanhã, Luiza!
Ela: Vamo, amor. Vamos sim.
Ele: E quem a gente vai chamar?
Ela: César, pega esse vidrinho de acetona aí que tá do seu lado.
Ele: Toma.
Ela (volta a atenção para os pés): ...
Ele: Hein?
Ela: Oi.
Ele: Quem a gente vai chamar?
Ela: Pra praia?
Ele (bufa): É.
Ela: Caralho, César. Vamos nós dois, ué. Precisa de mais alguém?
Ele: Ué, não?
Ela: Nossa, a minha companhia é tão ruim pra você querer chamar outra pessoa, assim tão desesperadamente?
Ele: Não, amor. É que eu queria um final de semana para relaxar, curtir o sol... "um dia pra vadiaaaar"...
Ela: E você não pode vadiar comigo?
Ele: Pô, Luiza, eu faço isso todo dia.
Ela: Hum...
Ele: E tem outra. Você vai querer ficar deitada tomando sol, ou lendo... e eu vou ficar sozinho, sem nada pra fazer.
Ela: Ué, você não queria vadiar, cacete?
Ele: Vadiar sozinho não tem graça.
Ela: ...
Ele: Queria sentar, tomar uma cervejinha, bater um papo...
Ela (olhando para os pés): Un-hu. Sei.
Ele: Viu só, nem aqui você conversa comigo.
Ela: Pega o algodão pra mim.... claro que converso, amor.
Ele (entregando o algodão): Por que você deixa tudo do meu lado?
Ela: Tá bom. A gente vai amanhã.
Ele: Na praia?
Ela: Un-hu.
Ele: Tá.
Ela: ...
Ele: E quem a gente vai chamar?
Ela: Hein?
Ele: Quem a gente vai convidar?
Ela (soprando as unhas de novo): Pra quê?
Ele (emputecido): Pra ir no prostíbulo chupar tangerina.
Ela: Ahã. Me passa mais algodão, por favor.

27.9.06

Ingredientes

Ele suado, arrumando o lençol da cama. Ela sai do banheiro, molhada, enrolada em uma toalha.
Ele: ...
Ela: Vê pra mim.
Ele (se agacha, investigando por baixo da toalha dela): Deixe-me ver.
Ela: ...
Ele: ...
Ela: E agora? Saiu?
Ele (levanta): Saiu sim.
Ela: Ai, graças a Deus. Eu não sabia que leite condensado era tão difícil de sair, até com água e sabão.

11.9.06

Aurélio

Ela sentada do lado da cama. Ele, atrás dela, ajoelhado em cima da cama, fazendo chapinha nela.

Ele: Sabe o que eu acho engraçado?
Ela: O quê?
Ele: Esse nome. Chapinha. Um tanto quanto desenvolto.
Ela (ri): O que é que tem?
Ele: Parece meio esdrúxulo e ao mesmo tempo tão singelo.
Ela (ri): ...
Ele: Que foi?
Ela: Engoliu um dicionário... é, ô papagaio?
Ele: Tô treinando meu vocabulário.
Ela: É mesmo, é?
Ele: É. O que achou?
Ela: Se nossas posições fossem inversas eu estaria quase vomitando em cima de você.
Ele: Ah, o que dizer de uma pessoa desviada do caminho cultural.
Ela: Agora chega, César. Já deixou de ser engraçado.
Ele: Fica quieta, Luiza. Aí, ó... vou acabar queimando sua orelha.
Ela: Então páaara.
Ele (apertando o aparelho em uma das mechas): Já parei.
Ela: ...
Ele: Putz...
Ela: O quê?
Ele: Você não lavou o cabelo direito.
Ela: Claro que lavei.
Ele: Não lavou. Tá todo cheio de condicionador aqui embaixo.
Ela (ironiza): Não estaria "pleno" de condicionador??
Ele (rápido): Não começa.
Ela: Mas eu lavei.
Ele: Tudo menos a nuca.
Ela: Ai, cacete, César. Você não vai me fazer voltar praquele chuveiro, vai?
Ele: Vai estragar todo o resto.
Ela: Então?
Ele: ...
Ela: ...
Ele (lamenta): Por que você não me deixou lavar seu cabelo?
Ela (pausa, depois sorri): Porque eu não tenho 4 anos de idade.
Ele: Ué... tú pagas uma fortuna no salão de beleza pras bichas ficar lavando seu cabelo. Por que eu não posso?
Ela: Peraí. Com as bicha é diferente. Eu não sou casada com nenhuma delas. E elas são bichas.
Ele: Então essa é a única questão que tu me ofereces: a sexualidade de quem mexe no seu cabelo?
Ela (já nervosa): Exatamente... homem que é homem não quer saber de ficar alisando cabelo de perua. Principalmente o homem que é meu.
Ele: Mas como tú és preconceituosa, hein, Luiza.
Ela (nervosa): Ai, César. Termina essa bosta desse cabelo logo e não me chateia com discussão ridícula. Que saco, eu tô atrasada.
Ele (continua): Ah, tu sabias muito bem que...
Ela (interrompe no grito): E pará de falar na segunda pessoa que isso tá me irritando.
Ele: ...
Ela: Parece português de botequim de esquina, tá louco...
Ele (baixinho): Tô treinando meu vocabulário.
Ela(bufa, irritada):
Ele: Aí, ó...
Ela (impaciente): O que foi agora?
Ele: Você mexeu... pegou muito perto da raiz. Vai enfraquecer.
Ela: Como assim? Eu vou ficar careca?
Ele: Não, se você lavar o cabelo agora.
Ela (olha pra ele): Ah, não. Eu tenho que tá na convenção daqui vinte minutos.
Ele (olha pra baixo): Então esquece raiz bem nutrida.
Ela (se levanta): Puta, mas que caralho, César. Eu te peço um favorzinho e você merdeia a coisa toda, não é?
Ele: Merdeia?
Ela (indo pro chuveiro): É. Tô treinando o MEU vocabulário.

6.9.06

Sorte do dia

Debaixo do edredom: dois sentados na cama. Em cima do edredom: caixinhas de comida chinesa.

Ele (quebra o biscoitinho) : "As pessoas que acreditam que um problema possa ser resolvido tendem a trabalhar para resolvê-lo". Viu só, Luiza?
Ela: O que você quer dizer com esse "viu só, Luiza"?
Ele: Nada.
Ela (ironiza): Nada, não. Quis dizer Tudo, né.
Ele: Amor, foi só um comentário.
Ela: César, você tem mania de fazer comentários, já percebeu?
Ele: E você tem mania de julgar todos os meus comentários, já percebeu?
Ela: ...
Ele: O que diz o seu?
Ela: Peraí... "Nada existe de mais frágil do que uma criatura iludida a seu próprio respeito".
Ele: Ah, tudo a ver com você.
Ela: Quê isso? Que "tudo a ver comigo"?
Ele: Criatura... frágil... iludida... sem respeito... ah, conheço essa.
Ela: Ah, César. Você não entendeu nada do que tá escrito aqui, né?
Ele: Amorzinho, eu nunca entendo.
Ela: Tá certo.
Ele: O meu único interesse em comida oriental é o franguinho com amendoim.
Ela: Xadrez.
Ele: Isso aí.
Ela: ...
Ele: ...
Ela: Vem cá, mas você acha que eu sou iludida? Digo... a meu próprio respeito.
Ele: Acho.
Ela: Sério?
Ele (rápido): Mas não é culpa sua.
Ela: Não?
Ele: Não.
Ela: Então de quem é? Sua?
Ele: Não... minha, não. Quê isso? Eu lá sou louco de mexer com o sentimento de uma criatura frágil como tu.
Ela: Então...
Ele: A culpa é da mídia televisiva.
Ela: De onde você tirou isso, César?
Ele: Ué, foi aquele cara que trabalha no departamento de marketing da empresa que você trabalha que disse naquela palestra sobre...
Ela (interrompe): Ai, César, você acredita em tudo o que te falam, homem?
Ele: Ué, aquilo era mentira?
Ela (pensa): Bem... Não, totalmente.
Ele (também pensativo): Hum...
Ela: ...
Ele: Vem cá, o que exatamente faz a empresa que você trabalha?
Ela: Não sei... sabe que acho que tem alguma coisa a ver com o ramo de tecnologia do governo?
Ele (surpreso): É mesmo, é?
Ela (incerta): Tenho a leve impressão.
Ele: Coisa grande, hein?
Ela: Nem fala.

31.8.06

Os Picaretas

Domingo de sol. Dia de praia, descontração, futebol, almoço em família. Aquelas coisas.
Nada é tanto assim.

Ele: Ah, Luiza. Esse, não.
Ela: Amor, é romântico.
Ele: Pô, muito parado. Coloca um de ação aí. Uma coisa mais pra cima.
Ela (sentando no colo dele): Ai, César. Esse filme é ótimo. Olha aqui, é um drama psicológico.
Ele: Drama? Peraí, não era romance?
Ela (ri): César, é bom. A crítica adorou.
Ele: Ih, a crítica gostou... vou acabar dormindo.
Ela: Amor?
Ele: Ah, Luiza, coisa mais down esses lances psicológicos...
Ela (séria): César, você precisa reeducar suas escolhas.
Ele: Reeducar minhas escolhas?
Ela: É. Ficar se prendendo a filmes do Eddie Murphy e do Steve Martin, acaba bloqueando a capacitação intelectual da pessoa.
Ele: Pô, mas eu adoro o Steve Martin.
Ela: Eu sei. Eu também gosto. Mas a questão não é gostar do Steve Martin. Mas sim o fato de assistir algo além do Steve Martin.
Ele: O Eddie Murphy.
Ela: Além do Eddie Murphy.
Ele: O Maz...
Ela (completa): E do Mazzaroppi.
Ele: ...
Ela: Você precisa ampliar seus horizontes.
Ele: Ampliar, é?
Ela: É. Dar mais credibilidade a outras produções mais artísticas.
Ele: Ah, Luiza, você sabe que eu acho essas coisas de arte um saco.
Ela: Mas devia dar uma chance. Assistir documentários, curtir a arte independente.
Ele: Arte independente, então... pra mim isso é coisa de maconheiro e viado.
Ela: Tenta, amorzinho.
Ele (com cara de quem está passando mal): Peraí.
Ela: Que foi?
Ele (tenta ser sútil): Sei lá... sabe quando você sente aquele desconforto que você fala?
Ela: Que desconforto?
Ele: Aquela sensação desagradável, sabe?
Ela: Não. Que sensação?
Ele (desiste): Aquela vontade de peidar, Luiza.
Ela: Ah... sei. Quer que eu te faça um chá?
Ele: Quero sim.
Ela (se levantando pra ir a cozinha): Eu volto já.
Ele: Melhor, me traz uma cerveja.
Ela (ri): Tá bom, mas não começa o filme sem mim, hein?
Ele (pega o telefone e liga para um amigo): Alô? John? Tá bom? Tô bem. Escuta, rapaz, você já assistiu esse filme aqui... é.... "Lembranças de uma noite fria"... é cult... independente e é sueco também. Sei.... sei... e qual o final?... hã... sei... sei... Tá. E o velho morre?... hã?... Tá. Valeu, garoto. Não, por nada. Só curiosidade. Tá. Ahã.
Ela (chega com a cerveja): Ué, quem era no telefone?
Ele: Engano.
Ela: Ah, tá... E aí, decidiu ver o filme?
Ele: Oh, amor. Sabe o que é? Eu... eu já vi esse filme.
Ela (irônica): Já viu, é?
Ele: Vi sim. Sério. Tá duvidando. A história se passa em 1957...
Ela: O filme é de 1957.
Ele: Por isso. Então.... Tem um velho, né... que.... é professor de medicina, e ele vai receber um prêmio na universidade pelos 50 anos de trabalho. Na viagem, ele começa a ter umas sacações, sabe... ele... recorda o passado e começa a viver uma crise existencial, sabe? Coisa bem artística... independente mesmo.
Ela: Ah, sei.
Ele: Eu só não vou contar tudo, porque... vai perder a graça, afinal você vai ter que assistir depois, né.
Ela: É...
Ele: Então... vamos ver o outro. O do Steve Martin.
Ela (sorrindo): Vambora.
Ele (acha o sorriso dela estranho): Então tá.
Ela: ...
Ele (prepara a sessão): Muito bom, esse filme. Você acredita que tem o Steve Martin e o Eddie Murphy juntos? Acredita nisso?
Ela (ainda com o sorrisinho irônico): ...
Ele (senta na cama, e abraça ela): Os dois no mesmo filme. Cara, isso é muito bom.
Ela: Muito bom mesmo.
Ele: Como?
Ela: Esse filme. O Steve Martin faz um um diretor de cinema que quer fazer um filme com um astro de cinema e não tem dinheiro... então ele monta um plano.
Ele: Plano, ah... sei. Alá, vai começar.
Ela: E ele faz o filme... hahahaha sem que o ator, que é o Eddie Murphy, claro, saiba. Ele contrata uma equipe toda e um dublê que no final é o irmão do Eddie Murphy... que é o Eddie Murphy mesmo. Mas no final, acaba que o filme é um sucesso e ele consegue tudo o que queria.
Ele (puto): ...
Ela: ...
Ele (olha pra ela com desprezo): Você.
Ela (sorrindo, mostra o celular pra ele): Eu também tenho os meus contatos, querido.

25.8.06

Não é TPM, é VOCÊ!

Ele chega em casa, tarde da noite, todo suado. Ela acorda com ele entrando no quarto, na ponta dos pés.

Ele: ...
Ela: Recordou-se do caminho de volta pra casa?
Ele: Vixe... "recordou-se"??... me fudi!
Ela (acende a lâmpada do abajur): ...
Ele: Eu não queria te acordar.
Ela: E tú achas que eu consegui dormir com você fora de casa até essa hora?
Ele (acende a luz do quarto): Ah, Luizaaaaaaa...
Ela: "Ah, Luiza", não! Onde é que você esteve, César? Você tem noção de que horas são? Sai assim... sem dar uma explicação pra mim... Olha aqui, celular desligado, fora de área. Liguei pra sua mãe, pro seu primo, até pra sua irmã, meu querido... e nada... nenhum sinal.
Ele: Olha o exage....
Ela (interrompe): César, você reconhece as suas obrigações de marido comigo? Tem noção de como eu me sinto, sem saber onde você anda essa hora da noite, numa cidade perigosa como essa?...
Ele: Amor, eu...
Ela (interrompe): Você por acaso sabe o que está se passando nessa casa, César? Sem dar uma satisfação....
Ele: ...
Ela: Hã?
Ele: Posso falar?
Ela: Agora!
Ele: Eu tava no treino.
Ela: Treino?! Que treino?
Ele: Ué, o futebol dos casados contra os solteiros. Pelada da firma.
Ela: Ah, conta outra, César.
Ele (ri): Ué... é sério, Luiza.
Ela: Desde quando?
Ele: Ué, toda quarta. Peladinha da firma.
Ela: Conheço bem essa "peladinha da firma". A Dona Sueli, secretária do Irineu.
Ele (rindo): Luiza... pára com isso, meu amor.
Ela: César, não toca em mim.
Ele: Amor, eu precisava ir nesse jogo.
Ela: Por que "precisava"?
Ele (tirando os sapatos): Ué, pra me incluir dentro do círculo da sociedade de amigos e trabalhadores da firma.
Ela: Sei sim.
Ele: Luiza, vai dizer que isso não melhora a imagem da gente? Vai dizer que você gosta de ir naqueles jantares "chatos-pra-dedéu" que a alta comissão do seu escritório te convida?
Ela: Eu sabia que você ia falar do jantar do meu chefe.
Ele (tirando a camiseta): Ué, isso já não é novidade.
Ela: Você foi inoportuno.
Ele: Não fui, não. A mulher do seu chefe que tava dando em cima de mim.
Ela (levanta a voz): Porque você é ignorante.
Ele: A mulher vem me oferecendo a "brusqueta" pra mim na boa... o que você quer que eu entenda?
Ela (furiosa): Era brusqueta a napolitana, César.
Ele: Eu percebi... mas só depois de ela ter me enfiado a mão na cara.
Ela: Ai. Difícil, viu...
Ele: ...e doído.
Ela: César, você tá fedendo. Vai tomar banho.
Ele (entrando no banheiro): Mas ainda afirmo que a culpa não foi minha.
Ela: Por isso a gente precisa ir a tantos eventos assim. Pra fazer os outros esquecerem desse vexame passado.
Ele: Eventos?... Chato-pra-dedéu.
Ela: Por que você não me diz logo que não gosta desses meus encontros profissionais?
Ele: Há anos que eu te digo isso.
Ela: Então por que vai?
Ele: Porque você faz questão de me levar pra essas festas chatas.
Ela: Chatas, é?
Ele (pegando uma toalha no armário): Pra-dedéu.
Ela: Da próxima vez, eu vou jogar pelada com os meus amigos do escritório, tá bom assim? Bem mais divertido, não acha?
Ele: Peraí, você vai jogar pelada, ou vai jogar "pelada"?
Ela: Amorzinho, realmente não é a hora pra trocadilho cesariano, tá?
Ele: Luiza, você ficou acordada até essa hora só pra me aporrinhar?
Ela: ...
Ele: ...
Ela: Quer saber, César? Eu vou fazer uma coisa que vai de encontro às regras desse blog maldito.
Ele (rindo): O quê?
Ela: Vou dormir no sofá.
Ele (a impede): De jeito nenhum.
Ela: O q...
Ele: Eu não permitirei.
Ela: Como ass...?
Ele: Eu não vou deixar que uma simples TPM e umas horas de atraso em um lazer, digno de quem é trabalhador, destrua uma relação estável na cama.
Ela: TPM? Relação estável?
Ele: É.
Ela (ri): ...
Ele: Que foi?
Ela (irônica): Oh, meu amor.... Sabe quando você vai provar da brusqueta de novo?
Ele: Olha, Luiza. Eu acho que isso não é hora para trocadilhos luizianos, tá?
Ela (desiste e volta pra cama): Vá tomar banho, César. Você tá fedendo
.

19.8.06

Saturday Night Fever

Sábado à Noite. Ele sai do banho, se arrumando, todo perfumado. Ela, com pipoca no colo, pronto para ver um filme.

Ela: César.
Ele: Oi, amorzinho.
Ela: Tá indo aonde?
Ele: Eu?
Ela: É, você.
Ele: É que... oooo.... por causa daaaa.... eu vou. Na verdade...
Ela: Ah, meu amor, se for pra mentir, pensa rápido, pelo menos. Isso conta pontos com mulher otária.
Ele: Que mentira? Eu por acaso sou homem de mentir?
Ela: Ué, tá parecendo um papagaio gago com soluço, aí.
Ele: ...
Ela (grita): Então?
Ele: Fala baixo.
Ela: Ih, aí tem coisa, César. Não vai me contar aonde vai?
Ele: Você não vai gostar.
Ela (grita novamente): Aonde você vai, César Mariano?
Ele (fica vermelho de raiva): ...
Ela (além de vermelha, quase babando): ...
Ele: Você sabe que eu fico puto da vida quando me chamam assim.
Ela: E você sabe que eu só te chamo assim quando EU tô puta da vida.
Ele: ...
Ela: ...
Ele: Eu vou numa despedida de solteiro.
Ela: De quem?
Ele: Do Maurão.
Ela: Mas o Maurão não casou na semana passada?
Ele: Pois é. Só que ele casou sem despedida...
Ela: E aí vocês vão levá-lo para a gandaia como um consolo, já que ele afundou a vida dele no matrimônio?
Ele: "Afundou no matrimônio"!! Você fala como se o casamento fosse uma punição.
Ela: Tá quase, amorzinho. Tá quase lá.
Ele: ...
Ela: ...
Ele: Então?
Ela: Quê?
Ele: Posso ir na despedida de solteiro?
Ela: Pode... ir... pro inferno.
Ele (animado): Mesmo?
Ela: Sem volta.
Ele (beija a esposa): Você sabe que eu volto.
Ela: Fazer o quê? Tá no contrato, assinado, com testemunha. Dizem que é pra vida toda.
Ele: Pára com isso, Luiza.
Ela: César, você não tava saindo?
Ele: E você vai fazer o que, hoje?
Ela: Sei lá. Eu vou assistir um filme, ou vou ler um pouco, ou vou ligar pra Selma e convidá-la pra sair.
Ele: Sair com a Selma?
Ela: É. tava pensando em ir numa boate, daquelas de beira de estrada, sabe?
Ele: Lotada de prostitutas de segunda mão?
Ela (rindo): E caminhoneiros suados, peludos e entupidos de esperma!
Ele: Parece legal. Posso ir junto?

12.8.06

Romântico

Ela entra no quarto e não encontra metade dos móveis. A cama, metade limpa, metade cinzas.

Ela: César!
Ele (sai do banheiro): Lu-i-za!
Ela: O que... como... o que aconteceu aqui?
Ele: Um pequeno incêndio.
Ela: Pequeno?
Ele: Aparentemente.
Ela: Como?
Ele: Os bombeiros ainda acham...
Ela (interrompe): Bombeiros?
Ele: Na verdade, um bombeiro. Na verdade, foi o Jeremias, irmão do porteiro, que acha...
Ela: Ele é bombeiro?
Ele: Mais ou menos. Ele tem diploma de torneiro-mecânico e especialidade em primeiro-socorros... ele me explicou mas eu não entendi direito...
Ela (interrompe de novo): César, o que houve aqui?
Ele: Parece que tudo começou pela cortina.
Ela: A cortina pegou fogo?
Ele: Foi.
Ela: Como?
Ele: Aí é que tá. Eu tava preparando uam surpresa pra você.
Ela: Que surpresa? Um arraiá na minha cama?
Ele: Não, bobinha.
Ela: Então o que era?
Ele (envergonhado): Um luau.
Ela: Dentro do quarto?
Ele: Na verdade, era mais um jantar a luz de velas.
Ela: Eu repito a pergunta, César. "Dentro do quarto?"
Ele: Ué, Luiza. A gente não faz nada fora desse quarto mesmo. Tudo o que a gente faz é aqui. A gente conversa, come, bebe, assiste TV, lê, fala ao telefone, transa, come depois transa, enfim... qual o problema?
Ela: Pois é. Olha só, agora. Eu sabia que um dia isso não ia dar certo.
Ele: O quê?
Ela: Nós, dois, nesse quarto. O tempo inteiro. Nessa cama.
Ele: Tá dizendo que tá cansada disso?
Ela: Não, eu to dizendo que a gente precisa mudar, César.
Ele: Bom, a gente vai ter que mudar de cama mesmo, porque essa aqui, só sobrou a metade.
Ela: Não, César. A gente precisa mudar de ambiente.
Ele: Como assim?
Ela: Sair um pouco desse quarto. Passar mais tempo na sala, na cozinha.
Ele: Eu não sei se eu tô preparado pra Cozinha.
Ela: É preciso.
Ele: Por que é preciso?
Ela: Porque sim.
Ele: Por quê?
Ela: ...
Ele: ...
Ela: Porque o nosso relacionamento está caindo na rotina.
Ele (ri): Relacionamento caindo na rotina... pois bem... eu desviei da rotina hoje... coloquei fogo no quarto todo.
Ela: Eu tô falando sério, César.
Ele: ...
Ela: ...
Ele: Luiza, eu entendo sua preocupação.
Ela: Obrigada, meu bem.
Ele: Mas você acha mesmo que nós dois e uma cama, todos os dias juntos, quer dizer que o nosso casamento está rotineiro?
Ela: Acho.
Ele (abraça ela): Oh, meu amor.
Ela (sorri nos braços dele): ...
Ele (rindo e falando mansinho): Você tá ficando maluca, sabia?

7.8.06

Troca de Papéis

Ele chega em casa, esbravejando. Ela lendo.

Ele: Filho du-ma pu-ta!
Ela: ...
Ele: Caralho, que merda.
Ela (olha pra ele e volta a ler): ...
Ele: Vá tomá nu...
Ela (interrompe): Que foi, hein, César?
Ele: Essa cidade. Esse trânsito. Eu já não agüento mais!
Ela: Ah, é só isso?
Ele (pasmo e mortificado): Sóó??!!
Ela (olha pra ele e volta a ler): ...
Ele: Cidade desgraçada!
Ela: Un-hu...
Ele (gritando): É por isso que, um dia, eu ainda vou fugir dessa merda toda. Vou pra bem longe... lá pro cú do mundo, onde não tenha nenhum filho da puta, buzinando na minha idéia!
Ela (lendo): ...
Ele: Oooh, vidinha mais ou menos, viu!!

14.7.06

Oh, Filme Triste que me fez chorar!

Ele chega em casa e a encontra chorando, em cima da cama.
Ele: Que foi?
Ela: ... nada, amor.
Ele: Ué, então por que tá chorando?
Ela: Cinco anos, César.
Ele: Quê?
Ela: Cinco anos que eu tô nessa... e eu não sonsigo superar.
Ele: Vixe, já sei. Andou assistindo aquela fita de novo?
Ela (soluçando): An-hã
Ele: O meu amor, por que você faz isso?
Ela: Porque poderia ter sido tão lindo.
Ele: Mas foi, meu bem.
Ela: Ah, você é mesmo maravilhoso.
Ele: Por que você assiste isso, sabendo que vai ficar triste depois?
Ela (se lamentando): Eu sou fraaaaca.
Ele: Oh, meu Deus.
Ela: Há cinco anos, eu luto contra esse vício.
Ele: Pára de assistir essa fita, então.
Ela: Como?
Ele: Sei lá, parando.
Ela: ...
Ele: ...
Ela: Queima essa fita, César.
Ele: Queimar?
Ela: É, queima. Só assim eu conseguirei parar de assistir.
Ele: Mas, Luiza. É uma lembrança nossa. Pra vida toda.
Ela: Uma lembrança não-boa.
Ele: "Não-boa". Então você acha nosso casamento é ruím?
Ela: Eu disse "não-boa", eu não disse "ruím". E eu disse "lembrança", eu não disse "casamento".
Ele: É só parar de assistir!
Ela: Vou tentar.
Ele: ...
Ela: ...
Ele: Isso ainda vai te fazer mal.
Ela: Desliga pra mim?
Ele: Claro.
Ela: ...
Ele: ...
Ela: Lembra dos sininhos cor-de-rosa?
Ele (desliga a TV): Lembro.
Ela: Lembra das flores?
Ele (senta na cama): Azuis, lindas.
Ela: E da recepção com aquela estátua de gelo?
Ele: Lembro, meu bem.
Ela: E da Dona Celestiana cantando fado, lembra?
Ele: Também.
Ela: E a toalha de mesa avermelhada?
Ele: Lembro.
Ela (se joga na cama, se debulhando em lágrimas): Ai, que festa de casamento breeeegaaa...

9.7.06

Viagem Maldita

Oito horas da noite. Eles chegam de viagem. Ele desarrumando as malas. A cama, uma bagunça. Cheia de roupas espalhadas. Ela, quieta e misteriosa.

Ele: Amor, você guardou aqueles meus anzóis pontudinhos?
Ela: Hã?
Ele: Meus anzóis? Os pontudinhos?
Ela (aérea): Peraí... eu não ouvi o começo da piada.
Ele: Que piada, mulher? Tá maluca?
Ela: Hein?
Ele: ... meus anzóis... de pesca... Vc viu?
Ela: Ah, tá.... é... Desculpa, eu não vi...
Ele: Tá tudo bem com você?
Ela: Ué... tá. Não tá vendo?
Ele: Ihh...
Ela: Ih, o quê?
Ele: Nada. Aqui... achei os anzóis.
Ele: ...
Ela: ...
Ele: ...
Ela: ...
Ele: Vem cá. E as iscas artificiais?
Ela (desligada): O quê, César?
Ele: As iscas?
Ela: Sei lá. Deve tá na mala pequena.
Ele (procurando): Mala pequena?!... Deve tá no banheiro.
Ela (dobrando umas camisetas): ...
Ele (volta do banheiro): Achei.
Ela: ...
Ele: Viu a vara?
Ela (grita): Eu não vi nada. Ele tava de costas.
Ele: Hã?
Ela: Hein?
Ele: Que costas?
Ela: De quem?
Ele: Você falou aí.
Ela: Falei?
Ele: Quem tava de costas, Luiza?
Ela: Ai, César. Pra começar, eu nem queria ir visitar seus pais. Foi você quem insistiu.
Ele: Ah, Luiza. Pra começar, você vai ter que começar de outro jeito, porque eu não entendi... naaada.
Ela: Ai, caramba.
Ele (sentado na cama): Fala, Luiza.
Ela: Não quero...
Ele: Vem cá. Senta aqui.
Ela (senta) Aiii!
Ele: O quê?
Ela: Achei outro anzol.
Ele: É um dos pontudinhos?
Ela: Se não for, eu é que não quero pescar contigo.
Ele (rindo): Dá aqui.
Ela: ...
Ele: Fala, agora.
Ela: Ai, César. Foi o seu pai.
Ele (sorrindo): Que tem meu pai?
Ela: Eu o vi... nu.
Ele (desfaz o sorriso): Comé?
Ela: Eu entrei no nosso quarto... bem, não no noooosso quarto... no quarto que a gente estava hospedado...
Ele (interrompe): Eu entendi.
Ela: E... vi.
Ele: O meu pai pelado?
Ela: É.
Ele: De costas?
Ela (sem graça): É.
Ele (ri): Ah, amor, tá tudo bem.
Ela (irônica): Não, não tá.
Ele (rindo): Tá, sim. Eu não fico zangado por você ter visto a bunda do meu pai.
Ela (meio emputecida): E você acha que eu estou lá preocupada com a sua opinião e o seu estado de alegria por saber disso?
Ele: Ah, não?
Ela: Não!
Ele: Então por que tá grilada?
Ela: Por que eu não consigo tirar essa imagem da minha cabeça.
Ele (sorri): Luiza... é apenas... uma... bunda!
Ela (irônica): Ah, não é.
Ele: Por quê? Você viu algo mais, é?
Ela: An-hã!
Ele: O que foi? Viu o pinto do meu pai também?
Ela: Antes fosse!
Ele (ri): Viu a bunda da minha mãe?
Ela: Antes fosse!
Ele: Então?...
Ela: Eu não vou te contar. Você vai ter pesadelos pro resto da sua vida, se conseguir imaginar o que se passa dentro da minha cabeça.
Ele: Então não conta.
Ela: Ah, eu conto.
Ele: ...
Ela: Eu não só vi o seu pai de costas... com a... buuuunda de fora, como também percebi a sua mãe, de joelhos, em frente ao seu papai fazen...
Ele (interrompe, gritando): Caaalllaaaaaa...
Ela (rindo): ...
Ele (em estado de choque): Você viu?
Ela: Vi.
Ele (gagueja): Mas... o... quer dizer.... o... caaaaraaaalhu!
Ela (sorrindo): É... No beiço da vovó.
Ele: Gente... eu pensei que meus pais não faziam isso.
Ela (ri): ...
Ele (percebe a risada dela): ...
Ela (percebe que ele percebe que ela tá rindo e ri mais ainda): ...
Ele (olha pra ela): Você planejou essa encenação toda durante a viagem de volta pra casa, pra chegar aqui, me contar tudo isso e chorar de rir da minha cara de babaca, não foi?
Ela (gargalhando): Hahahaha. Foi.
Ele: Agora você vai ver.
Ela: O que você vai fazer?
Ele: Vou te apresentar o anzol pontudinho.
Ela: Peraí, César. Eu tava brincando.
Ele: Isso não tem graça.
Ela: Ah, César, admita que se você pegasse meus pais na mesma "posição" você iria fazer piada, vai?
Ele (puto): Precisa mencionar "a posição"? Precisa me fazer visualizar a cena?
Ela (rindo): Tá bom. Não precisa ficar zangado.
Ele: ...
Ela: Me desculpa, amor.
Ele: Não.
Ela: ...
Ele: ...
Ela (rindo): E se eu ficar "de joelhos", você me perdoa?
Ele: Ai, cacete.

1.7.06

Novela das Oito

Ele deita na cama e começa a beijá-la.
Ela: César.
Ele: Hum...
Ela: É qui...
Ele (pára toda a sessão): Que foi?
Ela: Eu não tô preparada.
Ele: Ué. Agora que acabou a novela... Não tá afim?
Ela: Tô. Claro que eu tô.
Ele: Então?
Ela: É que eu tô meio bolada.
Ele (rindo): Eu, hein, Luiza? Anda frequentando baile funk, é? Tá ficando boladona?
Ela (irônica): E o juri dá nota 6 para o macaco falante!
Ele: Já entendi. Sem piada, né?
Ela: É.
Ele: Mas o que aconteceu?
Ela: É... é o Zé Mayer.
Ele: ...
Ela: Ele brigou com a Regina Duarte na novela.
Ele: Sei.
Ela: Ai, fiquei tão triste com a última cena dos dois se despedindo.
Ele (emputecido): Uhn...
Ela: Ah, que situação.
Ele: Luiza, meu bem. Eu te amo, né. Você sabe disso?
Ela: Claro que sei, meu amor.
Ele: E eu, como seu marido, acho que posso ser honesto, inclusive... expor os meus sentimentos pra você.
Ela: Claro, meu bem.
Ele: Sendo assim, você está ciente de que tudo o que é dito ou feito nessa relação a todo momento, é um mérito de quem leva a vida a dois?
Ela: Dois na cama?
Ele (ri): Isso.
Ela: Entendo.
Ele: Então, assim sendo, eu lhe pergunto... meu bem... que porra toda é essa?
Ela: Que foi, César?
Ele: Que história é essa de Regina Duarte?
Ela: Amor...
Ele (interrompe): A mulher leva um toco e sou eu quem sai no prejuízo?
Ela: César, a mulher tá sofrendo. Isso mexe com a gente. Você não entende nada do organismo feminino.
Ele: Luiza, isso é uma novela.
Ela: César, é uma novela baseada em fatos reais.
Ele: Mesmo assim, ainda não me comovo.
Ela: Você não assiste. Não presta atenção. Por isso não dá a mínima.
Ele (irritado): Não dou a mínima mesmo. Porque eu odeio novela... aliás pra mim, escritor de novela é um cara que não come ninguém, e vive trancado em casa em frente ao computador escrevendo histórinhas pra mexer com o organismo feminino da mulher da gente e fazê-las desistir de dar pra gente.
Ela: Não seja machista, César. Que coisa feia.
Ele: ...
Ela: ...
Ele: Já passou?
Ela: O quê?
Ele: O efeito Ze Mayer aí?
Ela: Não.
Ele: Saco!
Ela: Você devia assistir. Assim, ia ver que não estou exagerando.
Ele: Me conta, então. Me diz como foi o rompimento entre o Zé e a Regina.
Ela: Tá de palhaçada ou tá falando sério?
Ele: Sério.
Ela: Tá... ele descobriu que ela é filha dele, assim, teve que abandoná-la, renunciando uma grande história de amor para não viver uma vida afundada em pecados.
Ele: Ele é pai dela?
Ela: Ahã.
Ele: O Zé Mayer é pai da Regina Duarte?
Ela: É. Na novela.
Ele: Como é possível uma coisa dessas?
Ela: Ai, César. É que o Zé Mayer foi congelado depois de deixar uma garota grávida. Anos depois ele foi descongelado e conheceu a Regina, e se apaixonou sem saber que ela era sua filha.
Ele: ...
Ela: Que foi?
Ele: Isso é baseado em histórias reais, Luiza?
Ela (sem graça): Hã... é...
Ele: Eu vou dormir.
Ela: Ué, não quer mais transar?
Ele: Não. Agora eu fiquei deprimido.
Ela: Por causa da história do Zé e da Regina na novela?
Ele: Não. Por causa da história do Zé e da Regina na vida real mesmo.

23.6.06

Traição

Ela chega em casa, tarde da noite, e o encontra de malas prontas em cima da cama.
Ela: Oi.
Ele: ...
Ela: Que malas são essas, César?
Ele: São minhas.
Ela: Isso eu já sei, mas por que elas estão em cima da cama? Você tá indo pra algum lugar?
Ele: Tô indo embora.
Ela: Vixe... é alguma brincadeira sua, César? Daquelas que eu não entendo?
Ele (sério): Não.
Ela: Tá me assustando.
Ele: Depois eu passo pra pegar meu disc-man e o papagaio.
Ela (grita): Ei.
Ele (pára): ...
Ela: Você não acha que eu mereço uma explicação?
Ele: Digamos, que eu descobri primeiro.
Ela: Primeiro???!
Ele: Eu sei de tudo, Luiza.
Ela: Tudo "o quê", criatura de Deus?
Ele (desabafa): Você anda me traindo!
Ela: César, que idéia estapafúrdia é essa?
Ele: Quê?
Ela: Ai... De onde você tirou isso, meu bem?
Ele (grita): Da sua gaveta!
Ela: Minha gaveta?
Ele: É.
Ela: O que tem na minha gaveta?
Ele: O que tem? O que tem lá dentro?
Ela: É.
Ele: "O que tem dentro da sua gaveta?"
Ela: Agora você tá me irritando.
Ele: O que tem lá dentro? Eu te digo. Uma coisa desagradável, coisa de gente baixa.
Ela: O que é?
Ele: Um negócio mole, roliço, nojento...
Ela (caindo a ficha): Ah, minha mãe!
Ele: Não... não era sua mãe, não. Era coisa muito pior!
Ela: César, aquilo...
Ele: É... aquilo.
Ela: César, eu posso explicar.
Ele: Luiza, por acaso você não gosta mais do meu pinto, é?
Ela: O que tem a ver o seu pinto com isso?
Ele: Quer dizer que você está descartando o meu pinto, permanentemente?
Ela (indignada): Eu adoro o seu pinto.
Ele: Então porque anda programando estepe?
Ela: Hã? César, não é nada disso, meu bem. Aquilo eu ganhei no trabalho.
Ele: Ah, conta outra.
Ela: Me deixe explicar.
Ele: Vai tentar me enrolar?
Ela (apela): Olha, pra mim chega. Sentaí. Você vai me ouvir.
Ele: Eu nã...
Ela: Nem um pio. Senão eu pego aquele salaminho e enfio no teu...
Ele: Salaminho?
Ela: Ahn?
Ele: É salame, aquilo que tá na gaveta?
Ela (abrindo a gaveta do armário): É, eu ganhei uma cesta de um clien... nossa, tá todo mofado! Que coisa horrível.
Ele: ...
Ela: Por que você ficou todo horrorizado?
Ele: ...
Ela: Peraí, você disse que eu tava te traindo.
Ele: Hein?
Ela: Césa-ar.
Ele: Eu pensei que fosse outra coisa.
Ela: Você achou que eu andava colocando aquilo na...
Ele (abaixando a cabeça): Ah, meu Deus.
Ela: ...
Ele: ...
Ela(rindo): Coisa de gente baixa, César.
Ele (envergonhado): Foi o que eu pensei.

15.6.06

Au téléphone

Ele (no telefone): Porra, se não é o Kaká, hein, cara.
Ela (revirando o quarto, procurando alguma coisa): ...
Ele: Telão? Plasma? Roubou de quem?
Ela: César...
Ele: (ainda no telefone): E a cervejinha? Vai rolar?
Ela (jogando todas as almofadas no chão): César...
Ele: Pois é. Depois a gente bebemora.
Ela: Césa-ar!...
Ele: Pera um pouquinho Ulysses.... Que foi, Luiza?
Ela: Você viu aquela minha pasta... aquela onde eu guardo meus memorandos?
Ele: Aquela preta?
Ela: É.
Ele: Com uma listra dourada?
Ela: É.
Ele: Não. (volta pro telefone) Então, mas a gente combina e assiste lá com o pessoal no bar do Elias... levo... o violão tá a caminho.
Ela: Césaaaar....
Ele: Podexá...
Ela: César!!
Ele: Ô Ulysses, eu vou ter que desligar. A Luiza tá chata... É... tá... manda um beijo pra Célia. Tá bom, mando sim. Um abraço. Tchau.... (olha pra ela) O que-qui-é, cacete?
Ela: Eu não acho minha pasta.
Ele: E...
Ela: Me ajude a procurá-la!
Ele: E lá fui eu quem perdeu a pasta?
Ela: Você tem duas opções: ou você me ajuda...
Ele: ...
Ela: ...
Ele: Ou?...
Ela: Ou "o quê"?
Ele: Você disse que eu tinha duas opções.
Ela: Você tem certeza que quer ouvir a segunda?
Ele: É palavrão?
Ela: Não.
Ele: Já sei. Vai defecar em algo que eu considero valioso de novo?
Ela: Eu nunca fiz isso.
Ele: Mas já pensou.
Ela: Credo, César.
Ele (ollhando pra ela): ...
Ela (olhando pra ele): ...
Ele: Ai, tá bom. Tá no armário, na segunda gaveta.
Ela: Você escondeu minha pasta?
Ele: Guardei.
O telefone toca.
Ela: E me deixou procurando, quem nem uma retardada?
Ele: Amorzinho, eu tava no telefone... ó, tá tocando.
Ela: A gente precisa conversar sobre isso.
Ele: Posso atender o telefone antes?
Ela: Pode ir até pra puta-que-pariu, mas antes vai me esclarecer...
Ele (interrompe): Você fala assim com os seus clientes, Luiza?
Ela: Céééésaaaar, você me conhece... não atende.
Ele: Vou atender.
Ela: Não faça isso.
Ele: Pode ser uma emergência.
Ela: Ou pode ser o Ulysses, falando do resultado do jogo da Ucrânia contra a Angola?
Ele: A Ucrânia não jogou contra a Angola.
Ela (grita): César!
Ele: Ah, puta merda, eu vou atender.
Ela: Nã...
Ele: Alô? Oi. Ela tá. (estende o telefone pra ela)
Ela: Quem é?
Ele: Sua mãe.
Ela: Me dá.
Ele: ...
Ela: Oi , mamãe.
Ela fica duas horas no telefone com a mãe. Ele aproveita o tempo para tomar banho, escovar os dentes, se preparar para dormir. Mas não antes de esconder a pasta dela novamente.

5.6.06

Momentum 3

Depois da transa.
Ela: César, jogue as cinzas no cinzeiro.
Ele: Cadê aquele que tem formato de golfinho?
Ela: Você devia parar de fumar.
Ele: Cadê o golfinho?
Ela: Sei lá.
Ele: Olha aí.
Ela: Eu não. Quem tá fumando é você.
Ele: Luiza, procura pra mim.
Ela: Não!
Ele: Então, eu vou queimar o edredom do enxoval.
Ela (irônica): Ah... tá bom.
Ele: Eu vou mesmo, hein.
Ela: Faz isso que eu mijo no seu violão.
Ele (faz cara feia): ...
Ela: ...
Ele: ...
Ela: Exagerei, né?
Ele (indignado): Poorra!

3.6.06

Ridículo

(Para Júlia Vanini e Priscila Ihara, obrigado por tudo.)

Ela se preparando para dormir. Ele entra no quarto.
Ele: Oi.
Ela (se aconchegando no cobertor): Oi.
Ele: ...
Ela: ...
Ele (entra debaixo da coberta): Luiza, eu vou parar de usar chinelo.
Ela: Por quê?
Ele (apaga a luz do abajur): Lembra daquela vez que a gente transou dentro da piscina do prédio da minha irmã?
Ela: Ai, foi horrível.
Ele: Não, aquela outra vez.
Ela: Ah, aquela foi boa.
Ele: Então...
Ela: O que isso tem a ver com a desistência da chinela?
Ele: Lembra daquele espelhão que tem no vestiário?
Ela: Cacete, quantas lembranças para uma explicação.
Ele: Lembra ou não, porra?
Ela: Uhn...
Ele: Então, quando eu saí da piscina e me vi nu, com o pinto enrugado e de chinelinha havaiana azul, me achei ridículo.
Ela: Ai, César. você acha que parando de usar chinelo, o seu problema vai se resolver?
Ele: Não vai?
Ela: Claro que não. Qualquer homem fica ridículo quando sai da piscina com o pinto enrugado.
Ele: Olha, pode parecer ridículo, mas eu tô me sentindo bem melhor depois disso tudo que você me falou.
Ela: É. Ridículo!

30.5.06

Mania de Você

Ele zapeando os canais pelo controle remoto, como de costume. Ela, concentrada no trabalho, com documentos espalhados pela cama toda.

Ela: ...
Ele: ...
Ela: Ai, César. Eu odeio essa sua mania.
Ele: Foi você quem me deu aquele remédio pra eu tomar.
Ela: Que remédio, homem?
Ele: Aquele que "alivia" os gases.
Ela: Eu não tô falando da mania porca.
Ele: Ah, não. Então tá falando de qual?
Ela: Tava falando dessa sua mania de ficar mudando de canal 546 vezes por noite.
Ele (piadista): Você contou?
Ela: Não me enche.
Ele: Ah é, e quem tá enchendo aqui?
Ela: Não dá pra parar num canal. Tem que ficar apertando essa merda desse controle.
Ele: Não tem nada na TV.
Ela: Ah, tem sim.
Ele: ...
Ela: Não tem futebol hoje?
Ele: Não, hoje é segunda.
Ela: E a novela?
Ele: Eu já sei o que vai acontecer. Uma cliente me contou.
Ela: Ué, e daí? Vê mesmo assim. Eu sempre leio antes o que vai acontecer e mesmo assim vejo a novela.
Ele: Eu prefiro zapear os canais.
Ela: César, tá me atrapalhando.
Ele: Eu hein, Luiza. Cama é descanso, não é labuta. Quer trabalhar, vai lá pra sua empresa, vai.
Ela: Eu não acredito nisso.
Ele: ...
Ela: César?!...
Ele (zapeando canais): ...
Ela: E o telejornal? Coloca no telejornal.
Ele: Oh, Luiza. Quer parar com isso?
Ela: Ai, César. Será que eu vou ter que esconder esse controle remoto?
Ele (ri): Ah, tá bom. Vai me tratar como uma criança de sete anos, agora? Vê se pode.
Ela pega o controle e joga pela janela.
Ele (debruça na janela, depois vira pra ela): Caralho, viu!
Ela: Você pediu.
Ele (senta na cama): ...
Ela: ...
Ele: E agora?... agora, o que é que eu vou fazer?

21.5.06

Os Três Pontinhos

Posição rara: dois sentados na cama, lendo. Ele olha pra ela e volta a ler. Ela faz o mesmo, em seguida.

Ela: ...
Ele: ...
Ela: César.
Ele: Oi...
Ela: Você já reparou numa coisa?
Ele: No quê, meu amor?
Ele: Quando a gente fica sem assunto, ou quando há uma pausa entre as nossas conversas, sempre aparece aqueles "três pontinhos".
Ele: Como assim?
Ela: ...
Ele: ...
Ela: Viu só.
Ele: Ah, sei. Os "três pontinhos".
Ela: Então... você não acha estranho?
Ele: Não, já me acostumei.
Ela: Pois eu não.
Ele: Meu amor, esse é só um jeito do cara escrever a nossa história.
Ela: Que cara? Tem um cara por trás dos "três pontinhos"?
Ele: Tem. O Giu.
Ela: É ele quem escreve tudo isso?
Ele: É. Ele escreve, aí o pessoal que entra no blog lê, comenta, e a gente fica conhecido.
Ela: Sério? Quer dizer que eu tô ficando famosa?
Ele: Não força a barra, né, Luiza.
Ela: ...
Ele: Aí, viu... já tá se acostumando com os "três pontinhos".
Ela: É... pensando bem... até que não é tão esquisito assim.
Ele: Por falar em esquisito, hoje é aniversário do Giu.
Ela: Do cara que escreve?
Ele: É.
Ela: Ih, seria melhor se a gente comprasse um presente pra ele.
Ele: Ah, eu não vou comprar, não. Nem conheço esse cara direito.
Ela: Mas ele te conhece muito bem.
Ele: Então, ele que me dê presente no meu aniversário.
Ela: Puta que pariu, né, César. O cara tá contando a nossa história.
Ele: Eu nunca pedi para que ele contasse. Tá fazendo isso porque quer.
Ela: César, o cara nos deu os "três pontinhos", né, amor... olha a falta de reciprocidade.
Ele: Reciprocioquê?
Ela: Não muda de assunto. Pelo menos dá um telefonema a ele.
Ele (bufando): Ai, tá bom, tá bom.
Ela: Muito bem.
Ele: (pegando o notebook): Vou mandar um scrap pelo orkut.
Ela: De novo essa bosta desse orkut.
Ele: Orkut não cobra tarifa pro Rio de Janeiro.
Ela: É. Então manda, vai.
Ele: ...
Ela: ...
Ele: Quer saber? Esses "três pontinhos" já tão me enchendo o saco.
Ela: Eu ia falar isso agora.

18.5.06

Defeitos

Dois sentados na cama, em frente à televisão.

Ela (zapeando canais): Nossa... não tem nada na TV!
Ele: Noite de domingo... a essa hora... A gente devia estar dormindo também, né.
Ela: Que horas são?
Ele: Quase 1 da manhã.
Ela: Então já é segunda.
Ele: Ahn?
Ela: Já é segunda-feira, já passou da meia-noite.
Ele: E daí?
Ela: E daí que você disse "noite de domingo", quando na verdade, nós estamos vendo TV numa madrugada de segunda-feira.
Ele: Luiza, você sabe que essa é uma qualidade sua que todo mundo odeia, não sabe?
Ela: Que qualidade?
Ele: Qualidade, não. Grande defeito.
Ela: Que defeito? Eu tenho defeitos?
Ele (irônico): Poooooorra... agora eu vou ter que ficar olhando no relógio pra ver se já passou da meia-noite, pois se eu quiser um dia, na minha vida, manifestar uma idéia de tempo no meu relato, no que consta dias, horas e minutos, não poderei jamais me dar ao luxo de errar o dia da semana. Se é uma noite de quarta ou uma madrugada de quinta? Ó Lorde cósmico, me diga!
Ela: Madrugada de quinta, é essa aqui... ficar discutindo com um "zero à esquerda" que nem você... madrugada de quinta categoria.
Ele: Taí, outro defeito seu. Esses trocadilhos ridículos.
Ela: ...
Ele: Sem contar essas expressões da Era Clássica. "Zero à esquerda", "Tá tudo jóia".
Ela: Eu falo "tá tudo jóia"?
Ele: Fala.
Ela: César, seu...
Ele (interrompe): E sem contar aquela risadinha sem graça que você faz quando encontra alguém que não gosta, na rua.
Ela: Que risada?
Ele: Aquele sorrisinho sem graça que vem depois do "tudo bem?".
Ela: Como é?
Ele: Você fala "Oi. Nossa... Tudo bem?" e depois estica os lábios, meio Coringa. Sabe o Coringa do Batman?... Estica os lábios e faz um barulho que, pra mim, mais parece um arroto pra dentro.
Ela: Quer saber de uma coisa, César?
Ele: O quê?
Ela (se vira de costas pra ele): Vá tomar no seu cú.
Ele: Outro defeito seu. Não consegue sair de uma discussão, na qual estar perdendo, sem mandar a outra pessoa praquele lugar, ou tomar naquele lugar, ou colocar o pinto...
Ela (vira pra ele de novo): César!!
Ele (interrompe): Não, tudo bem. Desculpe, se eu te "enchi as paçocas", tá, meu bem?
Ela: Ah, vá a merda.
Ele: Não disse.

15.5.06

Momentum 2

Eles chegam de um jantar na casa de uns amigos. Ele tira o sapato e deita na cama. Ela senta do lado dele.

Ele: Pô, festão, hein... nossa...
Ela: Nem me fale. Quanta comida.
Ele: E quanta bebida!
Ela: Nem me fale.
Ele (fica olhando pra ela): ...
Ela: ...
Ele: Que foi?
Ela: Nada. Tô meio estranha.
Ele: Estranha?!
Ela: É. Tô passando meio mal. Sei lá. Sabe quando você se sente meio estufado? Um desconforto estomacal? A barriga cheia, fica meio rosnando... sabe? Tô meio assim.
Ele: Ai, eu também, amor, tô com uma vontade de peidar que você não tem idéia.

7.5.06

Momentum


Quinta-feira. Vinte e duas horas e trinta e seis minutos. Leitura pré-sono. Dois sentados na cama em frente a seus respectivos livros.

Ele larga o livro e olha pra ela. Ela concentrada.
Ele: ...
Ela: ...
Ele (esticando os braços e espreguiçando): ...
Ela: ...
Ele: Então...
Ela (sem desviar o olhar): Hum...
Ele: Tá animada pra Copa?
Ela: César, a gente não precisa ficar conversando o tempo todo.
Ele: Ah, tá.

Quinta-feira. Vinte e duas horas e trinta e sete minutos. Ele apaga a luz e vira para dormir. Ela acende o abajur, porque ainda não acabou de ler o capítulo 16 de Harry Potter e a Ordem da Fênix®.

3.5.06

Anticontraceptivos


E no meio das preliminares...

Ele: Peraí.
Ela: Que foi?
Ele: Tem um negócio aí.
Ela: Onde?
Ele: Aqui... O que é isso, Luiza?
Ela: Isso o quê, César?
Ele: Esse adesivo grudado na sua barriga, aí.
Ela: Ah, isso?... É meu novo método anticoncepcional.
Ele: Método anticoncepcional?
Ela: É.
Ele: Com esparadrapo?
Ela: Não, é um tipo de anticoncepcional, ué.
Ele: ...
Ela: ...
Ele: Por acaso você tatuou um pinto na sua barriga ou coisa parecida?
Ela: Ai, meu Deus.
Ele: Não, porque uma prima minha apareceu uma vez com uma tatuagem na virilha, e tapou com um esparadrapo pra minha tia não ver...
Ela: Por quê?
Ele: Porque era um desenho do snoopy enfiando o nariz na perereca.
Ela: César, não é uma tatuagem indecente, é só... vem cá... como é que tu sabe que o snoopy enfia o nariz na perereca dela?
Ele: Ué, praia, Luiza. Praia. Eu fui na praia com ela, ela tava de biquini. Sabe, esses biquinis curtinhos?
Ela: Ah... sei.
Ele: Nâo é tatuagem, então? Mesmo?
Ela: Ai César, você ainda se julga inteligente. O atual ultra-moderno. Isso é um adesivo que não
me faz ficar grávida. Francamente, pra um engenheiro, você tá por fora, hein.
Ele: Quem tá por fora é você. Eu não sou engenheiro.
Ela: Ah não... e o que você faz?
Ele: Porra, Luiza. A gente tá casado há quase cinco anos e você não sabe qual a minha ocupação?
Ela: Eu já soube um dia. Tem haver com marketing, não tem?
Ele: Misericórdia... bom, isso não vem ao caso... eu tava falando dessa figurinha colada no teu abdomêm.
Ela: Amorzinho, isso aqui é um adesivo como aqueles que usam para parar de fumar. E eu tô
usando para não correr o risco de engravidar. É como se o meu útero parasse de ovular.
Ele: Meu amor, eu acho que você anda fumando pelo lado errado.
Ela: Nossa, mas as piadinhas hoje estão excelentes, hein!
Ele: Desculpe, é que eu não consigo imaginar que uma simples fita adesiva possa
conseguir atingir tal efeito.
Ela: O adesivo impede que eu ovule, César.
Ele: Ah, essa é muito boa.
Ela: O quê?
Ele: Você quer ter outro filho? É só me dizer.
Ela: Não, eu não quero.
Ele: Então por que você quer eu acredite nisso?
Ela: Porque é verdade.
Ele: Ah, tá legal. Então eu vou colocar um band-aid no meu pau, quem sabe eu pare de ejacular...
Ela (tira o adesivo e entrega pra ele): Ah, que saco. Toma.
Ele: O que você vai fazer?
Ela (vestindo o sutiã): Vou usar outro anticoncepcional para não ter filho com você.
Ele: Qual?
Ela: Vou dar pro vizinho.
Ele: Vai, é?
Ela: Vou.
Ele: Então, toma... coloca o adesivo.

25.4.06

Dois on Line

Ela dormindo. Ele, sentado na cama, com o laptop no colo.
Ela acorda.

Ela: César, desliga esse negócio. Deita.
Ele: Já vou.
Ela: ...
Ele: ...
Ela: César, que coisa. Desliga esse computador. Essa luz não tá me deixando dormir.
Ele: Ah, pára de reclamar, Luiza. Tava aí babando no travesseiro há um tempão.
Ela: Tô falando sério, César.
Ele: Luiza, foi você quem me tirou da sala e me trouxe pra cama.
Ela: Pra dormir!
Ele: Não disse nada disso, não.
Ela: César, que tanto você vê nessa geringonça que não pode deixar pra amanhã?
Ele: Tô vendo se tenho scrap.
Ela: O quê?
Ele: Scrap... no orkut.
Ela (indignada): Ah, mas era só o que me faltava!
Ele: Ó... sua irmã brigou com o namorado de novo, hein...
Ela: Como é que você sabe disso?
Ele: Xeretei no orkut dela.
Ela: César, quem te deu permissão para ir mexendo no orkut da minha irmã assim?
Ele: Ih, Luiza. Orkut não necessita permissão, não, meu bem.
Ela: Ah, não?
Ele: Não. Todo mundo pode ver, numa boa, o que se passa na página de orkut de cada um. No meu caso, a vida escancarada da sua irmã.
Ela: Meu Deus, como é que minha irmã fica escancarando assim... pra todo mundo?
Ele: É verdade. É só olhar aqui. Briga feia via internet, viu?
Ela: Deixa eu ver.
Ele: Não... eu acho melhor, não.
Ela: César, eu quero ver.
Ele: Não, Luiza. Você vai presenciar um nível de obscenidade não-agradável.
Ela: E lá existe um nível de obscenidade agradável, meu querido?
Ele: Ué, existe. Quando não envolve nome da mãe, sexualidade e tamanho de genitália.
Ela: Ah, mas aí perde-se toda a graça da obscenidade, meu amor.
Ele: Ué, mas é assim que tem que ser, se quisermos viver bem junto a todos os seres, em harmonia.
Ela: César, vai tomar no seu cú. Você tá me enrolando pra eu não poder ver o que esse grosseirão... (ela bate no teclado do computador)... disse pra mi-nha irmãããã!!!...
Ele (defendendo o teclado): Peraí.
Ela (gritando): Eu vou ver!!!
Ele(grita): Peraê!! Vai quebrar...
Ela: ...
Ele: Que coisa... Pronto, vê.
Ela (lendo): ...
Ele: ...
Ela: Mas, que cachorro. Como é que ele fala assim do calcanhar da minha irmã? Sem vergonha!
Ele: Luiza...
Ela: A coitada teve de fazer cirugia quando caiu de bicicleta... sofreu pra cacete, quando aconteceu tudo aquilo...
Ele: Luiza, calma.
Ela: Como você quer que eu fique calma, César? Um filho-da-puta escroto fica difamando o calcanhar da minha irmã pro mundo inteiro ver...
Ele: Calma... ainda não parou aí, não.
Ela: Ahn?
Ele: Olha só a página dele.
Ela: ...
Ele: Ele tá tendo um caso com esse negão aqui da foto. Sabe quem é esse, né? Tá reconhecendo?
Ela: Não.
Ele: É o Maçaneta, da construtora que a sua tia trabalha, lembra? O Maçaneta batizou o filho do seu primo Dudu.
Ela: Gente... o viado trocou minha irmã pelo Maçaneta?
Ele: E isso não é nada. Olha só.
Ela: ...
Ele: Ele tá comendo a sua tia Edileide. Olha só o depoimento.
Ela: "Meu amor que faz meu coração palpitar e a maçaneta delica..." Ah, que horror!
Ele: Viu só.
Ela: Meu Deus, minha tia...
Ele: Ela tem a foto de um pinto no álbum dela.
Ela: Um pinto?
Ele: É... olha aqui...
Ela: Credo... de quem será essa pica, meu Deus?
Ele (rindo): Deve ser... haha... do namorado do maçaneta.
Ela (em estado de choque): Gente... César... ela tem um pinto?
Ele: É, meu bem. Pinto... pica, caralho, cacete....
Ela: Que horror.
Ele: ... e outras coisas que o meu nível de obscenidades não me permite pronunciar.
Ela: Gente...
Ele: É... sua família...
Ela: E é isso que você faz nesse orkut? Fica bisbilhotando a vida da minha família.
Ele: Não, quê isso. Assim você me ofende. Tá me chamando de fuxiqueiro?
Ela: E o que mais você faz nisso?
Ele: Amizades. Conheço gente.
Ela: Ah, é?
Ele: É... olhar essa garotinha, por exemplo. Conheci na comunidade do Pato Donald.
Ela: ...
Ele: Ela me mandou uma borboleta linda feita de estrelinhas e "arrobas", sabe "arroba"?... então, olha que lindo!
Ela: Isso daí é uma sigla?
Ele: O quê?
Ela: Na asa da borboleta. Tem vários números 6.
Ele: Onde, amor?
Ela: Aqui, César. Olha. 666... 666... 666...
Ele: É, né...
Ela: Ai, que medo.
Ele: Do quê? Do número?
Ela: É... vai lá saber quem é essa garotinha... e se é realmente uma garotinha.
Ele: É, é?
Ela: É. Sabe lá se não é alguém que esteja envolvido em uma seita satânica.
Ele: Ahn?
Ela: ... e que estejam pregando uma nova profecia...
Ele (amedrontado): ...uhn...
Ela: ... reeenviando desenhos e figuras com mensagens subliminares afim de reunir os seus discípulos para rituais macabros...
Ele (desligando tudo): Ai, Luiza, desliguei. Pronto. Conseguiu.
Ela (rindo): Cagão!

16.4.06

Sem água, só açúcar

Eles acordam.

Ela: Ai, nossa... que horas são, hein?
Ele: Dez e meia.
Ela: O quê?
Ele: Tá bom. Dez e vinte e oito.
Ela (pula da cama): Ah, meu Deus. Céésaaar...
Ele: Que foiiiii?
Ela: Eu tinha que ter acordado às sete e meia.
Ele: Mas a gente acordou às sete e meia. Depois a gente transou e dormiu de novo. E acordamos agora novamente às dez e vinte e oito.
Ela (vestindo o sutiã): Ah, que droga. Por que você foi transar comigo?
Ele: Ué, porque eu gosto. Porque eu te amo.
Ela: Oh, amor. Você sabe que eu não caio mais nessa.
Ele: Mas qual é o problema de ter acordado um pouco mais tarde?
Ela: Eu vou me atrasar. Isso, se não perder meu emprego. Tinha uma reunião marcada para as nove horas. Uma reunião importantíssima sobre aquele novo contrato da empresa... o filho-da-puta do meu chefe não vai me perdoar.
Ele: É aquele tal lance dos japoneses?
Ela: Chineses, César! Chineses.
Ele: Tá bom...
Ela: Depois você ainda diz que me escuta. Quantas vezes eu falei que o contrato que estamos tentando...
Ele: Eu já entendi, Luiza. Posso só dizer uma coisinha?
Ela: Chineses, entendeu? (olha debaixo da cama) Cadê minha calciii-i-nha?
Ele: Luiza, calma.
Ela: Onde você colocou minha calcinha?
Ele: Tá ali em cima do abajur... deixa eu falar, agora?
Ela: Fala.
Ele: Hoje é domingo, amor. Domingo de Páscoa.
Ela: ...
Ele: ...
Ela: Eu não acredito. Esse trabalho tá me deixando louca.
Ele: Calma, meu bem. Olha, aqui. Quer ovo de chocolate?
Ela: De onde você tirou esse ovo?
Ele: Da cesta de páscoa que o seu chefe te mandou hoje de manhã.
Ela: Ah, é?
Ele: É. Quer um pedaço?
Ela: Me dá aquele coelhinho ali?
Ele: É de chocolate branco. Você não gosta.
Ela: Me dá a porra do coelho, César.
Ele (mais do rapidamente): Toma.
Ela joga o coelho contra a parede, enchendo o quarto de pedaços de chocolate.
Ele: ...
Ela: ...
Ele: Tá mais calma, agora?
Ela: Não, me dá mais uns dois kinder ovo.

16.3.06

Vida Boa

Ele concentrado na leitura. Ela começa...

Ela: Sabe de uma coisa, César? A vida é uma coisa boa. Tudo bem, ela possui os seus altos e baixos. Recheada de imprevistos e de coisas insignificantes e pequenas às quais denominamos problemas. Mas a vida é boa. Olha só pra gente... eu e você, aqui. Não te dá uma sensação de tranquilidade, de calma, de paz? A nossa vida boa e banal e que é nossa. A nossa história que o amor escreve. É... o amor faz a nossa vida boa. É isso. Você não acha, César?
Ele: ...
Ela: César?
Ele: Hein?
Ela: Você não acha?
Ele: Acho o quê, amor?
Ela (emputecida): Nada.
Ele: Fala, amor.
Ela: Na-a-da.
Ele: Luiza, fala comigo.
Ela: Vão tomá no cú, você e esse seu livro.

10.3.06

Água e açúcar

Ele (animado): Oi.
Ela (desanimada): Oi.
Ele: E aí, como foi seu dia?
Ela: Ahn?!
Ele: Perguntei como foi seu dia.
Ela: Ai, César. Você quer mesmo conversar? Eu tô tão cansada. O dia de hoje foi uóóó... aquela merda daquele escritório... tudo o que eu faço sendo criticado... gente convencida por todos os lados... ai!
Ele: Ih, o que aconteceu?
Ela: Nada, César. Me deixa dormir.
Ele: Vem cá, Luiza. Você está muito estressada.
Ela: Eu estou. Eu tô com muita coisa na minha cabeça.
Ele: Quer uma água com açúcar?
Ela: Hein?
Ele: Água com açúcar.
Ela: Pra quê?
Ele: Ué... pra quê? Pra te acalmar.
Ela: Mas por que água e açúcar?
Ele: Sei lá. Dizem que é bom em estados de nervosismo como o seu agora.
Ela: É?
Ele: É. E evita colapsos mais fortes.
Ela (preocupada): Ai, César. Você acha que eu tô ficando louca?
Ele: Não, só estou te oferecendo um copo d'água com açúcar.
Ela: Por quê?
Ele: Ah, meu Deus. Porque eu me preocupo com você.
Ela: Ai, amor. Que lindo.
Ele: Viu só, querida. Vou lá pegar pra você.
(...)
Ele: Tá aqui, amorzinho. Você tá melhor?
Ela: Tô. Obrigada, meu bem.
Ele: Nada, amor.
Ela: ...
Ele: ...
Ela: Lá no escritório ninguém me ofereceu água com açúcar.
Ele: Uhn...
Ela: Será que ninguém naquele lugar se preocupa comigo?
Ele: Ai...
Ela: Eu trabalho feito uma mula naquela merda de lugar e nem sequer mereço atenção.
Ele: ... meu...
Ela: A escrava aqui é só um pontinho de cocô no meio daquele mar de bosta.
Ele: ... Deus!
Ela: O que eu quero dizer é, porra, cadê o reconhecimento?

6.3.06

Noite de Gala


Domingo a noite. Oscar 2006 na TV.

Ela: Acho lindo tudo isso.
Ele: Isso o quê?
Ela: Tudo. A cerimônia, os vestidos, as estatuetas... os atores.
Ele: O comercial já acabou.
Ela: Quem será que vai ficar em primeiro lugar, hein?
Ele: Que primeiro lugar, Luiza? Oscar não é gincana, não.
Ela: Ah, não. E como é?
Ele: São várias categorias e muitos vencedores.
Ela: Ah, tá. E porque a Gueixa e o King Kong tão ganhando tudo? Tem uma espécie de bônus nessa brincadeira?
Ele: Fica quietinha e assiste, meu bem.

17.2.06

Dois na Cama


Ela: César.
Ele: Uhn.
Ela: Tô com vontade de transar. Quer transar?
Ele: Agora?
Ela: É.
Ele: Aqui?
Ela: É, aqui, na cama, igual muitas pessoas.
Ele: Mas ainda são 8 e meia.
Ela: E daí? E lá existe hora marcada pra trepar?
Ele: Não, né.
Ela: Então?...
Ele: Mas, você não tava com dor-de-cabeça?
Ela: Passou.
Ele: E a cólica?
Ela: Já era.
Ele: E o tio Chico?
Ela: Foi embora, hoje de manhã.
Ele: Ah, tá... já tomou banho?
Ela. Já.
Ele: Hum... então tá... Transo.
Ela (animada): Legal!