25.8.07

Defeito Colateral

Ele sai do banheiro aos passos de zumbi. Ela com o computador no colo e vários papéis espalhados pela cama. Ele se joga na cama.

Ele: Ai, meu Deus.
Ela: César... devagar... cuidado... você deitou em cima dos protocolos assinados.
Ele: Quê?
Ela (tira o papel debaixo das costas dele): Esses papéis aqui.
Ele: Desculpe.
Ela: ...
Ele: ...
Ela: Você tá bem?
Ele: Hein?
Ela: Qui é que você tem?
Ele (com a mão na barriga): Ai... não sei.
Ela: Tá com dor de barriga?
Ele: Um-hum.
Ela: Quer um chá?
Ele (corre pro banheiro): Ai, caramba. O chá.
Ela: ...
Ele: ...
Quatro minutos depois.
Ele: Luiza.
Ela: Calma.
Ele:...
Ela (recolhe alguns papéis): ...
Ele (deita): Cacete... desculpe por ter amassado seus protocooooh meu Deus. (massageando a barriga)
Ela: Caramba, César. Que merda, hein.
Ele: Muita.
Ela: Quer algum medicamento?
Ele: Não.
Ela: Quer que eu faça um chá?
Ele (se levanta rápido): Chá, não, Luiza... Aí ó... (e sai correndo de novo pro banheiro)
Cinco minutos depois.
Ela: Melhorou?
Ele (senta delicadamente na cama): Por uns dois segundos.
Ela: Meu Deus, homem. O que você tanto comeu?
Ele: O que eu tanto bebi, você quer dizer, né.
Ela: Bebeu? Você por acaso andou bebendo?
Ele: Nossa, não viaja, filha. Me deixa.
Ela: Amor, isso não é normal.
Ele: Eu sei. Eu fiz uma estupidez.
Ela (joga ele da cama): Me conta agora.
Ele (corre pro banheiro): Ai, caralho.
Ela: ...
Três minutos depois.
Ele (grita do banheiro): Luiza, acabou o papel.
Ela: Se vira... quero saber direitinho com quem você andou bebendo.
Ele: Luizaaa, eu preciso de papel.
Ela: Não...não até você me explicar toda a história.
Ele: Amor, depois eu explico.
Ela: Agora, César Mariano.
Ele: Cacete, Luiza. Eu preciso de papel.
Ela: O papel acabou. Porque alguém ficou de passar no mercado, mas errou o caminho e foi pro bar encher a cara.
Ele (gritando em meio ao eco causado pela pressão): Ah,meu Deus... Luizaaa... me dá um protocolo.
Ela: Tá maluco?
Ele (abre a porta e fica com cabeça pra fora do banheiro): Me dá o protocolo. Eu preciso do protocoloooo!
Ela: Você tá sem juízo.
Ele: É tudo papel mesmo. Me dá!
Ela: Esses papéis são confidenciais. Documentos importantes para os processos de uma corporação.
Ele: Foda-se. Eu quero um.
Ela: Não antes de você me contar tuu...
Ele (interrompe): Porra,Luiza.Medá o protoclo ou eu voumelimpar na toalha de rosto.
Ela (levanta, com cara de nojo): ...
Ele: Andaaa...
Ela (entre os papéis): Toma. Foda-se... é tudo esquema de corrupção e prova de lavagem de dinheiro mesmo.
Dez minutos depois.
Ele (senta na cama): ...
Ela: E o protocolo?
Ele: Foi com a descarga e meio quilo de...
Ela: Tá bom, César.
Ele: ...
Ela: Melhorou?
Ele (se deita): Um pouco.
Ela: Hum.
Ele: Foi um chá.
Ela: ...
Ele: "O quê" eu bebi... não "com quem".
Ela: Um chá?
Ele: É... o Tato me indicou.
Ela: Quem é Tato?
Ele: O Tato, marido da Glorinha.
Ela: Glorinha?
Ele: Morador do 704.
Ela (faz cara de quem não entende): ...
Ele: Aquele bixeiro que você apelidou de "zé-ninguém".
Ela: Ah, tá.
Ele: Ele me falou de um chá medicinal de folhas de uma pinha dos campos de "sei-lá-das-quantas".
Ela: E você tomou?
Ele: Tomei.
Ela: Por quê? Qual o efeito desde chá além do desarranjo todo aí?
Ele: Parece que ele teve alguns problemas com a esposa pra engravidar e procurou alg...
Ela (emocionada): Você tomou o chá!
Ele: Tomei.
Ela: Você tomou esse chá por causa do nosso bebê?
Ele: Foi, meu amor.
Ela: Peraí. Você tomou o chá? Uma indicação de um "zé-ninguém" com quem você esbarrou na esquina ou no elevador?
Ele: Parecia ser milagroso.
Ela (emputecendo): E por causa dessa merda, eu perdi meu protocolo?
Ele: Não briga comigo. Eu tô sensível. Ai! Aí, ó....
Ela (joga todos os papéis em cima dele): Seu cagão irresponsável!
Ele (correndo pro banheiro): Peraí... Não joga, não...
Ela: Bunda fria!
Ele: ...
Ela: Eu não acredito nisso.
Ele (gritando): Luizaaaa... papel!
Ela sai do quarto, sem se importar.
Ele: Luizaaaa...