14.11.07

Momentum 0,01

Ele pregando um quadro na parede com a ajuda de um garoto.

Ele: Tá torto?
Outro: Como é que eu vou saber?
Ele: Vê lá, Tiago.
Outro: Você aguenta o tranco aí, mano?
Ele: Agüento... "mano".
Outro (deixa o quadro nas mãos de César e verifica): Não, acho que tá bom.
Ele (fazendo força): Então volta aqui senão ele vai cair.
Outro (o ajuda novamente): Júlio...
Ele: César!
Outro: César... bom, eu queria ter uma conversa com você de homem pra homem.
Ele (derruba o quadro no chão): Ai, cacete... e você pensou que esta hora é a mais apropriada?
Outro: Bom, estamos só nós dois aqui. Acho que seria... legal se fosse só nós dois...
Ele: Aqui?
Outro: É.
Ele: Devo jurar dizer a verdade, nada mais que a verdade e os "cambau"?
Outro (ri): Os "cambau"...
Ele: Você me acha um tiozão, não é?
Outro: Sei lá, quantos anos você tem? Quarenta?
Ele: E quantos anos você tem? Sete?
Outro: Ei, eu faço quatorze anos, daqui duas semanas, tá bom.
Ele: Desculpe. Eu não sabia que você era já um homem formado.
Outro: Tá tirando onda, comigo, Imperador?
Ele (ri): Acho que agora você precisa de uma apelido melhor. Tico não é nada legal...
Outro: Eles não precisam me chamar de Tico.
Ele: Acho que a sua mãe iria gostar da exclusividade. Só ela te chama assim.
Outro: Mas e agora? Como vai ser?
Ele: Ué, Tiago. Eu não sei. Você pode mudar tudo ou pode escolher a mesma coisa.
Outro: Eu tenho que ter uma certeza sua.
Ele: Certeza do quê?
Outro: De que você vai cuidar dela.
Ele: Ela sabe se cuidar sozinha também, filho.
Outro (puto): Putz, três anos de casamento e parece que você não conhece a Luiza Cristina.
Ele: E você conhece?
Outro: Eu não. Quem decifra essa mulher?... Mas eu sei de uma coisa.
Ele: O quê?
Outro: Ela realmente gosta de você.
Ele (levanta o quadro): E eu gosto dela. Por isso que me casei com ela. Se convenceu agora?
Outro: É sério, Imperador.
Ele (derruba o quadro de novo): Puta qui pariu, garoto. O que você quer que eu faça?
Outro: Que fique sempre do lado dela! Aconteça o que acontecer.
Ele: Sempre?
Outro: É o que dizem sobre os casamentos.
Ele: ...
Outro: E aí?
Ele: Tiquinho, vai ser difícil sem você.
Outro: Quando a fera estiver atacada, você me bate um fio que eu venho correndo.
Ele (pegando o quadro): Eu aprendo a domar a jaguatirica.
Os dois gargalhando quando ela entra.
Ela: Oi amor.
Ele (pregando o quadro): Oi, meu bem.
Ela: Ué, Tico. Achei que ia se despedir da galera do prédio hoje.
Outro: Galera?
Ele (cochicha com o garoto): Viu só, "mor tiazona!".
Outro (ri): ...
Ela: Que qui vocês estão cochichando aí?
Outro (saindo): Nada, mãe. Eu tava esperando você chegar para pegar meu turno na ajuda ao imperador.
Ele: Não é preciso. O Imperador já terminou o "selvisso"!
Ela (desconfiada): Sobre o que vocês estavam falando?
Ele: Nada, amor. Estávamos divagando sobre uma mulher especial em nossas vidas.
Ela (beija o marido): ...
Ele: ...
Ela (sai, mas depois volta): César.
Ele: Eu?
Ela: Essa mulher especial sou eu, né?
Ele: An-hã.
Ela (saindo de novo): Ah, bom!

6.11.07

Assincronia - Parte 1

Noite de quarta-feira, ele chega do treino. Ela, com cara séria, meio chorosa.

Ele: Oi, marida.
Ela: Oi... meu esposo.
Ele (joga a chuteiras num canto): ...
Ela (olhando pra ele): ...
Ele (percebe): Tudo bem?
Ela: Ta.
Ele (beija-lhe o rosto): Linda.
Ela: César...
Ele: Oi, meu amor...
Ela: ... onde você ta indo?
Ele: Ué, tomar banho. Você odeia que eu deite na cama depois de chegar do treino.
Ela: ...
Ele: Tá tudo bem mesmo?
Ela: César, eu preciso lhe falar uma coisa.
Ele: Você ta grávida? Eu não acredito. A gente conseguiu?
Ela: Não. Não é nada disso. Eu estou tão oca quanto o seu pinto.
Ele: Valeu pelo apoio moral, hein.
Ela: Eu realmente não quero discutir isso agora.
Ele: Ta legal.
Ela: Senta aqui.
Ele: Eu?! Sentar aí? Na cama? Todo fedido e suado?
Ela (com os olhos lacrimejando): César, por favor.
Ele: É sério assim, é?
Ela: ...
Ele (senta): ...
Ela: Eu vou ser breve. Até para poder ouvir o que você tem a dizer logo.
Ele: Amor, o que ta acontecendo?
Ela: Eu levei o seu terno na lavanderia e encontrei esse números de telefone anotados num papel.
Ele (fecha a cara): Você encontrou isso?
Ela: Não, foi o pessoal da lavanderia.
Ele: Ah, certo.
Ela (sem entender a pergunta dele): ... Então... eu liguei... liguei para este número aqui...
Ele: Você ligou?
Ela (mais alto): Liguei!
Ele: Hum...
Ela: E uma mulher me atendeu e disse que era sua cliente.
Ele: ...
Ela: E depois eu fui ver sua agenda...
Ele: Luiza, você...
Ela (folheando a agenda dele): ... E vi uma lista de nomes, na letra C, a maioria nomes de mulheres.
Ele: Luiza...
Ela: César, eu não vou julgá-lo precipitadamente. Não sei quem são essas mulheres e muito menos o que você anda fazendo com elas.
Ele: Amor, não é nada disso que você está pensando.
Ela (meio que grita): Como é que você sabe o que eu estou pensando?
Ele: Com esse tom de acusação, depois de todo esse relatório investigativo, não fica difícil imaginar, não é?
Ela: Eu só quero uma explicação, César.
Ele: Ta... eu sei.
Ela: Então, pronto.
Ele: ...
Ela: Então?
Ele (faz uma cara de quem já está arrependido): ...
Ela: Ce-sar.
Ele: Eu não posso te explicar, amor. Não agora.
Ela: Como assim “não pode”? Eu sou sua mulher. Você me deve esclarecimentos diante de fatos que colocam o nosso casamento em risco.
Ele: Mas não há nada para se preocupar.
Ela: César, eu não acredito que...
Ele: Amor, você não confia em mim?
Ela: ...
Ele: Tá demorando pra responder.
Ela: Confio.
Ele: Então acredite quando eu digo que isso não é nada.
Ela: Nisso... eu não acredito.
Ele: Cacete, viu.
Ela: Eu preciso ir.
Ele: Aonde você vai?
Ela: Vou sair com o Tico. Ver a roupa dele pro casamento.
Ele: Ué, por que você não me disse isso? Eu teria vindo mais cedo pra ir com vocês também.
Ela (colocando a bolsa no ombro): Acho que você não é o único que tem segredos por aqui.
Ele: Luiza, não exagera.
Ela: Você esquenta a lasanha que tá no forno?
Ele (ri): Não faz cena, amor.
Ela: Se preferir, três minutos no microondas... ou até derreter o queijo.
Ele: Eu sei ler a caixinha, amor.
Ela (olha com ódio pra ele): Que bom que você sabe ler a caixinha, César.
Ele: Luiza, eu tô brincando.
Ela (grita): Dá pra parar um segundo e ver que isso não é piada.
Ele (fica sério): Amor, eu preciso que você confie em mim.
Ela (ri): ...
Ele: ...
Ela: Ah, desculpe pensei que fosse outra piada.
Ele: Luiza...
Ela (grita de novo): César!
Ele: ...
Ela: Eu não volto logo.
Ela sai, batendo a porta.

14.9.07

Amante Latindo

Ela chega em casa. TV no volume alto. Ele sai do banheiro sem camisa.

Ela: Oi, esposo.
Ele: Luiza. Resolvi. Chega!
Ela: O que é agora?
Ele (joga o barbeador elétrico no chão): Eu não vou mais me barbear com essa porcaria.
Ela (desliga a TV): Por quê?
Ele: Por quê?... Olha isso aqui!
Ela (vê um arranhão no nariz dele): ...
Ele: Viu?
Ela: Vi... Você tem certeza que você sabe usar esse aparelho?
Ele (irônico): Não, benzinho. Eu entrei na puberdade faz duas horas.
Ela: Ótimo, meu garotão. Porque, ó... se segura que eu tô ovulando... aliás, ME segura que eu vou tirar teu cabaço...
Ele: Putz, de novo? Quantas vezes você ovula por mês?
Ela: Umas cinco.
Ele: Engraçadinha.
Ela: Você já tomou banho?
Ele: Tava indo ainda agorinha.
Ela: Então, vai logo... não, não vai, não... vamos fazer o que a gente tem que fazer depois você lava tudo.
Ele (passando metiolate no nariz): Você é mesmo muito romântica, sabia?
Ela (tirando a roupa): Não temos tempo pra romantismo.
Ele: Luiza, me ajuda aqui.
Ela: César, deixa disso. Vem, pra cama, vem.
Ele: Ô mulher, eu tô com o nariz sangrando.
Ela: Coloca um band-aid aí e pronto!
Ele (olhando o ferimento no espelho): Mas foi um corte fundo... ó... putz, tô até com medo de ficar com uma narina só.
Ela: Ai, meu Deus.
Ele: E ainda o barbeador tá quebrado.
Ela: Você nem se barbeou ainda.
Ele: Claro que não. Quando tentei, fui quase assassinado.
Ela: Não tem importância. Vem assim mesmo. Vai ser uma coisa rápida.
Ele (liga a televisão): Uma coisa rápida, sem importância. Meu Deus como o pai é uma figura presente desde a concepção.
Ela: César, eu tô cansada. Porque EU trabalhei o dia inteiro, ao contrário de outra pessoa que ficou vendo televisão o dia inteiro e quebrando eletrônicos.
Ele: Eu sabia que você mais cedo ou mais tarde você iria insinuar algo a respeito...
Ela: Que insinuação? A respeito do quê?
Ele: Eu e o meu desemprego.
Ela: Não é isso, amor. Só... que... só estou pedindo para irmos logo com isso porque eu ainda tenho que voltar pro escritório.
Ele: Ainda?
Ela: Pois é... agora, mais do que nunca, eu preciso daquela promoção.
Ele (colocando o barbeador na embalagem): ...
Ela: Vem pra cama, amor...
Ele: Não, espera. Eu vou ter que descer pra comprar lâmina de barbear. E devolver esse aparelho falsificado.
Ela: Ah, você não pode estar falando sério?
Ele: Eu estou. Indignado como consumidor. Eu não posso pagar por uma coisa que funcione mal, principalmente agora... você fazendo serão e eu gastando dinheiro em porcarias...
Ela (interrompe): César, deixa disso, pelo amor de Deus!
Ele: Luiza, você não quer um homem bonito, cheiroso, de barba feita, carinhoso e atencioso na sua cama?
Ela: Vai à farmácia ou vai virar bichinha?
Ele (desiste): Sério mesmo?
Ela: Sério. Tá bom assim. Fedido, nojento, canalha...
Ele (pula em cima em cima dela): Eis a futura mãe dos meus filhos!
Ela: Sem pingar sangue em mim, hein...
Ele: Peraí, pega aquele esparadrapo ali pra mim.
Ela (lhe faz o curativo): Acho que vai aguentar por cinco minutos...
Ele: Cinco minutos?
Ela: É o tempo que eu preciso... e o que você aguenta...
Ele (desafia): Ah, é... paga pra ver?
Ela: Ah, eu pago.
Ele (beija o pescoço dela): ...
Ela: César!
Ele: Hã?
Ela: Peraí... essa sua barba mal-feita tá me pinicando... Melhor eu ficar em cima e você não me beijar tanto.
Ele (muda de posição): ...
Ela: Agora sim... agora, beija só meu rosto tá... meu pescoço fica vermelho e eu não posso aparecer assim na reunião.
Ele: E os peitos eu posso beijar?
Ela: Hum... pode... eu não vou trabalhar de decote mesmo.
Ele: ...
Ela: O que foi?
Ele: Nada... tava só pensando no quanto você é iressistível.
Ela (se jogando em cima dele): Bora trabalhar então.
Ele (assistindo TV, enquanto ela tira as cuecas dele): Ai, ai.... ter filhos é uma coisa tão saudável.

8.9.07

Festa da Amandinha

Ele chega em casa, trajando um terno e um chapéu com os dizeres "Feliz aniversário" junto a uma figura do ursinho Puff. Ela se arrumando para o trabalho.

Ela: César!
Ele: Lu...
Ela: Lu?
Ele: Luuuu-iza!
Ela: O que você tá fazendo em casa a essa hora?
Ele: Tava no aniversário da Amandinha.
Ela: Que Amandinha?
Ele: A festa... de Aniversário da Amandinha.
Ela: Quem é essa?
Ele: Tá tendo lá no play... ó... cheio de gente...
Ela: César...
Ele (bate a perna no canto da cama): Ai...
Ela: Meu Deus...
Ele: Luiizaaa... você sabia qui a Eliete do Bloco 2 casou com um gringo que nem a sua irmã?
Ela: Eliete? Amandinha?
Ele: É uma epidemia... só pode ser... ou tá.... tá é faltando mesmo é mulé... mulé de verdade "nas Oropa".
Ela: César, você está bêbado?
Ele: Hein?...
Ela: Você encheu a cara numa festa de criança?
Ele: Olha, em defesa da minha pessoa, a festa tava cheia de adultos, tá? E cheia de whisky...
Ela: Meu Deus, César... são duas horas da tarde... o que você... você não foi trabalhar?
Ele: Fui. Só que saí de lá.
Ela: Saiu?
Ele: Saí! Ó... cheguei na porta e... fui!
Ela: Você saiu da empresa?
Ele: Ô mulé, saí... acabei de dizê...
Ela (indignada): E por que você saiu, ô ôme?
Ele: Porque fizeram uma coisa lá que eu não gostei... não aprovei... fui contra...
Ela: E que coisa é essa?
Ele: Me despediram.
Ela: Ah, meu Deus.
Ele: Ó... a Dona Catarina me deu esse saquinho surpresa pra te dar.
Ela (pega o presente): ...
Ele: Eu já comi o seu babaloo, viu... depois você pega um chocolate do meu, se quiser.
Ela (fica olhando pra ele): ...
Ele: Não fica me olhando assim, não. Eu tô ótimo... não podia me acontecer algo melhor, agora.
Ela: ...
Ele: Quê?
Ela: Agora, César? Acha mesmo que é melhor pra gente agora?
Ele: Por que não?
Ela: ...
Ele: ...
Ela: Eu vou trabalhar.
Ele: De novo?
Ela: São duas horas da tarde.
Ele: Hum... tem almoço em casa?
Ela (pegando uma pasta com documentos): Tem pizza... de ontem...
Ele: Urgh! Acho que vou descer no play e comer os brigadeiros da festa. Você sabia que a Amandinha já completou 8 anos?
Ela (saindo): Não diga?
Ele (saindo atrás dela): Tá cada vez mais esperta.
Ela (irônica): Ah, eu faço idéia.

25.8.07

Defeito Colateral

Ele sai do banheiro aos passos de zumbi. Ela com o computador no colo e vários papéis espalhados pela cama. Ele se joga na cama.

Ele: Ai, meu Deus.
Ela: César... devagar... cuidado... você deitou em cima dos protocolos assinados.
Ele: Quê?
Ela (tira o papel debaixo das costas dele): Esses papéis aqui.
Ele: Desculpe.
Ela: ...
Ele: ...
Ela: Você tá bem?
Ele: Hein?
Ela: Qui é que você tem?
Ele (com a mão na barriga): Ai... não sei.
Ela: Tá com dor de barriga?
Ele: Um-hum.
Ela: Quer um chá?
Ele (corre pro banheiro): Ai, caramba. O chá.
Ela: ...
Ele: ...
Quatro minutos depois.
Ele: Luiza.
Ela: Calma.
Ele:...
Ela (recolhe alguns papéis): ...
Ele (deita): Cacete... desculpe por ter amassado seus protocooooh meu Deus. (massageando a barriga)
Ela: Caramba, César. Que merda, hein.
Ele: Muita.
Ela: Quer algum medicamento?
Ele: Não.
Ela: Quer que eu faça um chá?
Ele (se levanta rápido): Chá, não, Luiza... Aí ó... (e sai correndo de novo pro banheiro)
Cinco minutos depois.
Ela: Melhorou?
Ele (senta delicadamente na cama): Por uns dois segundos.
Ela: Meu Deus, homem. O que você tanto comeu?
Ele: O que eu tanto bebi, você quer dizer, né.
Ela: Bebeu? Você por acaso andou bebendo?
Ele: Nossa, não viaja, filha. Me deixa.
Ela: Amor, isso não é normal.
Ele: Eu sei. Eu fiz uma estupidez.
Ela (joga ele da cama): Me conta agora.
Ele (corre pro banheiro): Ai, caralho.
Ela: ...
Três minutos depois.
Ele (grita do banheiro): Luiza, acabou o papel.
Ela: Se vira... quero saber direitinho com quem você andou bebendo.
Ele: Luizaaa, eu preciso de papel.
Ela: Não...não até você me explicar toda a história.
Ele: Amor, depois eu explico.
Ela: Agora, César Mariano.
Ele: Cacete, Luiza. Eu preciso de papel.
Ela: O papel acabou. Porque alguém ficou de passar no mercado, mas errou o caminho e foi pro bar encher a cara.
Ele (gritando em meio ao eco causado pela pressão): Ah,meu Deus... Luizaaa... me dá um protocolo.
Ela: Tá maluco?
Ele (abre a porta e fica com cabeça pra fora do banheiro): Me dá o protocolo. Eu preciso do protocoloooo!
Ela: Você tá sem juízo.
Ele: É tudo papel mesmo. Me dá!
Ela: Esses papéis são confidenciais. Documentos importantes para os processos de uma corporação.
Ele: Foda-se. Eu quero um.
Ela: Não antes de você me contar tuu...
Ele (interrompe): Porra,Luiza.Medá o protoclo ou eu voumelimpar na toalha de rosto.
Ela (levanta, com cara de nojo): ...
Ele: Andaaa...
Ela (entre os papéis): Toma. Foda-se... é tudo esquema de corrupção e prova de lavagem de dinheiro mesmo.
Dez minutos depois.
Ele (senta na cama): ...
Ela: E o protocolo?
Ele: Foi com a descarga e meio quilo de...
Ela: Tá bom, César.
Ele: ...
Ela: Melhorou?
Ele (se deita): Um pouco.
Ela: Hum.
Ele: Foi um chá.
Ela: ...
Ele: "O quê" eu bebi... não "com quem".
Ela: Um chá?
Ele: É... o Tato me indicou.
Ela: Quem é Tato?
Ele: O Tato, marido da Glorinha.
Ela: Glorinha?
Ele: Morador do 704.
Ela (faz cara de quem não entende): ...
Ele: Aquele bixeiro que você apelidou de "zé-ninguém".
Ela: Ah, tá.
Ele: Ele me falou de um chá medicinal de folhas de uma pinha dos campos de "sei-lá-das-quantas".
Ela: E você tomou?
Ele: Tomei.
Ela: Por quê? Qual o efeito desde chá além do desarranjo todo aí?
Ele: Parece que ele teve alguns problemas com a esposa pra engravidar e procurou alg...
Ela (emocionada): Você tomou o chá!
Ele: Tomei.
Ela: Você tomou esse chá por causa do nosso bebê?
Ele: Foi, meu amor.
Ela: Peraí. Você tomou o chá? Uma indicação de um "zé-ninguém" com quem você esbarrou na esquina ou no elevador?
Ele: Parecia ser milagroso.
Ela (emputecendo): E por causa dessa merda, eu perdi meu protocolo?
Ele: Não briga comigo. Eu tô sensível. Ai! Aí, ó....
Ela (joga todos os papéis em cima dele): Seu cagão irresponsável!
Ele (correndo pro banheiro): Peraí... Não joga, não...
Ela: Bunda fria!
Ele: ...
Ela: Eu não acredito nisso.
Ele (gritando): Luizaaaa... papel!
Ela sai do quarto, sem se importar.
Ele: Luizaaaa...

25.6.07

Momentum 5

Oito horas da noite. Ele entra correndo no quarto. Ela pendurada no telefone.

Ela: Pois é, mas eu enviei o protocolo com tudo, CNPJ, assinatura, tudo.
Ele (tira uma pilha de papéis deuma gaveta): ...
Ela: Três vias? Como assim "três vias", Malu?
Ele (revirando os papéis): ...
Ela: Cacete, o Oswaldo não me passou os nomes deste grupo...
Ele (espalha tudo na cama): ...
Ela: ... tô te falando, Malu... isso é marcação... o cara quer é fuder comigo dentro daquela empresa.
Ele: Luiza...
Ela (pegando uma caneta e um bloquinho): Peraí, Malu... César, é linguagem figurada, amor... é só um corno escroto que quer se dar bem no escritório às minhas custas... pronto, Malu, pode me passar os nomes.
Ele: Amor, você o meu certificado de graduação que tava na gaveta?
Ela: Minutinho, amor... hã, Malu... tá... são só essas pessoas. E a quem eu devo encaminhar?
Ele (desiste e sai procurando em todas as gavetas): Cacete, viu...
Ela: Em três vias também? Certo.
Ele (acha o certificado dentro de uma gaveta de cuecas): ...
Ela: Vou te enviar o protocolo por email. Obrigada, Malu. Até amanhã.
Ele (guarda o documento numa pasta e vai saindo): Tchau.
Ela: Ei, César. Onde você vai?
Ele: Trabalhar.
Ela (olha no relógio): A essa hora?
Ele: É, amor. Coisa importante.
Ela: Que horas você chega?
Ele: Sem hora pra voltar, meu bem.
Ela: Putz... eu tô ovulando.
Ele (olha no relógio): A essa hora?
Ela: É, amor. Coisa importante.
Ele: ...
Ela: E aí?
Ele: Porra, você é foda, hein, Luiza.
Ele sai, batendo a porta. Ela liga o computador, acessando sua conta de e-mail.

2.6.07

Trilogia das Bestas: Crise entre Leoa e Zebra

Ela entra no quarto batendo a porta. Ele, sentado na cama, vendo filme e comendo biscoito.
Ele: Epa!
Ela: César.
Ele (olha no calendário do criado-mudo): ...
Ela: ...
Ele: Que foi?
Ela: Você não vai acreditar no que aconte... você tá comendo na cama?
Ele: Hã?
Ela: Você sempre me reprime por comer na cama, mas você pode?
Ele (pausa o filme): Luiza, é diferente, amor. Biscoitos de chocolate não espirra molho de tomate na almofada, e não espalha farofa pra tudo quanto é canto.
Ela: E as embalagens?
Ele (levanta uma tijela): Tão aqui. Direto daqui pro lixo.
Ela: Ah, tá... e as migalhas?
Ele (mostra um mini-aspirador de pó): Sem migalhas.
Ela: Merda!
Ele: ...
Ela: ...
Ele: Mas o que você ia me dizer?
Ela: Eu? Nada.
Ele: Não, você ia me dizer algo sim.
Ela: Quando?
Ele: Agora, você entrou batendo a porta, meio furios...
Ela (emputecendo-se): Putz, César. Você tinha que me lembrar disso, né?
Ele: Mas amor...
Ela: Caralho. Você é fóda, viu, César.
Ele: Mas o que foi que eu fiz?
Ela: Não foi você dessa vez.
Ele: Ah, então eu tô levando esporro de graça. Me sinto bem melhor.
Ela: O Tiago. Você não acredita.
Ele: Que tem ele?
Ela: Ah... "O que tem?"
Ele: É.
Ela: "O que tem ele?"
Ele (olha pra cima, rezando por misericórida): ...
Ela: Ele cismou que... ele vai se casar, César.
Ele (ri): ...
Ela (puta): É engraçado, né?
Ele: Peraí, amor... você tá toda nervosa por causa disso?
Ela: César, ele é uma crian...
Ele: ... Criança, sim. Por isso mesmo, eu lhe pergunto qual o motivo da preocupação? Você acha mesmo que ele vai conseguir atingir tal objetivo?
Ela: César, você é um filho da puta.
Ele (sem entender): ... Peraí. essa foi realmente gratuita.
Ela: Não, foi motivada. Você sempre faz isso. Eu me preocupo pra caralho com o que acontece com a nossa família e você trata tudo com desdém. E no final das contas, tudo se resolve por minha causa e você leva os créditos sob as resoluções dos problemas.
Ele: Isso se chama liderança, amor. Eu aprendi isso na aula de meditação. Ter todas as coisas sob controle. Você precisa revisar os valores que te encaminham para um efeito positivo.
Ela: Ora, enfia esse valores no teu cú... eu já tô de saco cheio de você ser o bonzinho da relação quando, no fundo, sou eu quem vai correr atrás da minha irmã quando ela tenta um aborto natural, sou eu quem vai levar o teu pai pra revisões no oftalmologista por causa de uma possível glaucoma e sou eu, a mesma pessoa, que precisa tirar essa idéia estapafúrdia da cabeça do meu filho.
Ele: Luiza, você está fora de si.
Ela: César, eu tô cansada de ser a "dona vaca psicótica da história".
Ele: Você, realmente, não esqueceu o que aquela mulher disse, não é?
Ela: Você também não... ou pensa que eu não te vi malhando os glúteos naquele aparelho que você comprou pela internet?
Ele: É que eu ainda não entendi o comentário sobre minha bunda.
Ela: Ai...
Ele: Quer dizer que eu sou o que não faz nada e você é a salvadora da pátria... quer saber, Luiza... eu não quero discutir com você hoje. Você está alterada.
Ela: Pára de falar que eu estou alterada. Porque... eu tô mesmo.
Ele: Por causa de uma coisa pequena, meu amor.
Ela: César, esse menino vai cometer uma loucura.
Ele: É o Tiago, Luiza. Lembra que ele queria ser surfista, astronauta, vocalista do Slipknot? Então... é a mesma coisa.
Ela: Não é, César. Ele tá apaixonado. Ele vai querer fazer isso a qualquer custo.
Ele: Com a benção de quem, criatura? Eu lhe pergunto isso. Com a permissão de quem ele vai levar esta história adiante?
Ela: A noiva é a Carol, filha da Selma.
Ele (preocupa-se): ...
Ela: ...
Ele: Você não me diga que...
Ela: Ela já deu a tal benção.
Ele: Vaca ordinária!!
Ela: César, não fala assim. Ela é minha amiga.
Ele: Uma irresponsável. É isso que ela é.
Ela: Ela está pensando no futuro da filha dela.
Ele: Casando-a com um pirralho. Essa menina está grávida por um acaso?
Ela: Não que eu saiba.
Ele: Mesmo assim, eles não têm a nossa benção.
Ela
(senta na cama): ...
Ele: O quê?
Ela: Os pais dele ficaram de vir conhecer a Carol.
Ele: ...
Ela: ...
Ele (senta, tentando consolá-la): Então não há mais nada que você possa fazer, meu bem.
Ela: É... como sempre eu não sirvo pra nada.
Ele: Ai, meu Deus.
Ela: Mas quem sabe eu acerto agora, não é? Afinal, já faz quase seis meses que eu estou tentando ter um filho... e não consigo.
Ele: Luiza...
Ela (dá um tapinha na perna dele): Mas não se preocupa, não, meu bem. Daqui dois anos, eu acho que a gente consegue.
Ele (abraça ela): ...
Ela (secando as lágrimas): ... Desculpa.
Ele: Tá tudo bem.
Ela: ...
Ele (passando a mão no rosto dela): ...
Ela (chorando): Ah...
Ele: Que foi?
Ela: Menstrueeeeiii.
Ele: Ah... tá.

28.5.07

Trilogia das Bestas: A Vaca Desequilibrada

Ele concertando o despertador. Ela entra no quarto com o telefone na mão.

Ele: ...
Ela: César.
Ele: Hã?
Ela: Você acha que eu sou uma filha-da-puta quando tô de TPM?
Ele: ... hããã.... você tá de TPM hoje?
Ela: Tô.
Ele: Não, meu bem.
Ela (volta ao telefone): Viu só, Selma? O meu marido que disse.
Ele: ...
Ela: Ah, vai à merda, Selma.
Ele: ...
Ela (desliga): Ah...
Ele: ...
Ela: ...
Ele: Era a Selma no telefone?
Ela: Não, César. Era uma vaca, traíra... sem-vergonha.
Ele (ri): ...
Ela: Tá rindo do quê?
Ele: Eu adoro a coincidência de TPM de vocês.
Ela (com olhar de ódio): ...
Ele (contendo o riso): ...
Ela: Isso é engraçado pra você, não é, César? Você realmente curte isso? Esse grande complô de hormônios femininos.
Ele: É. Sabia que a CIA anda recrutando mulheres como você e a Selma nesse período.
Ela: César, você perdeu a noção do perigo?
Ele: Eu tô brincando, cacete.
Ela: ...
Ele: Me dá aqui esse telefone.
Ela: Pra quê?
Ele (toma o telefone da mão dela): Porque eu sei que essa história ainda não acabou.
Ela: Como assim?
Ele: Tô sem saco pra explicar, Luiza.
Ela (pega o telefone de volta): Ah, pelo contrário, meu querido. Vais ficar sem saco se não me explicar.
Ele (a imitando): E o júri da nota 7 pra vaca nervosinha.
Ela: Césaaar...
Ele (pega o telefone de novo): Você quer mesmo saber?
Ela: Quero.
Ele: Peraí. Quantos dias faltam pra você menstruar? Três?
Ela: Dois.
Ele: Ih, fudeu.
Ela: Fudeu, por quê?
Ele: Se eu te contar acho que você vai chorar.
Ela: Eu, chorar? Eu nunca choro, César.
Ele: Chora sim. Beirando a terceira fase.
Ela: Terceira fase?
Ele: Da TPM.
Ela: E quando é isso?
Ele: Dois dias antes do tio Chico chegar.
Ela: Ai, odeio essa nomenclatura genealógica.
Ele: Vestígios da segunda fase.
Ela: E quais são os sintomas da primeira e segunda fases?
Ele: A primeira é aquela do sopro.
Ela: Sopro? Que é isso?
Ele: Você fica resmungando pela casa sobre o seu trabalho, sua vida, sobre nós, sobre sua família... e a cada resmungo, você solta um suspiro, um soprinho, quase bufando.
Ela (com um olhar seco): ...
Ele: É sério.
Ela: E a segunda?
Ele: Palavrão.
Ela: Hã?
Ele: Você passa a odiar tudo quanto é ser ou objeto à sua volta. E manifesta esse sentimento de repulsa sempre com um palavrão.
Ela: Ah, vá à merda.
Ele: Viu só... Estás na transição entre a segunda e a terceira fase.
Ela: ...
Ele: ...
Ela: Me devolve o telefone.
Ele: Você vai ligar pra Selma?
Ela: V... vou.
Ele: Mas pra xingar e irritar ou pra chorar pedindo desculpas?
Ela: Por que eu iria pedir desculpas praquela burguesa escrota?
Ele: Porque, apesar de meu total desprezo pela Selma como pessoa, ela é a única amiga que você tem que te entende e te conforta quando você precisa. Ela dá mais atenção a você do que ao marido... eu ainda desconfio que...
Ela (termina): Ela não é sapata, César.
Ele: Se você diz.
Ela: ...
Ele: Mas ela gosta de você. É uma pessoa que te quer bem. Amizade assim, verdadeira, não se acha em qualquer lugar, meu bem.
Ela (chorando): Ai, César. Me dá o telefone, vai.
Ele (sorrindo): Toma.
Ela ("debulhada" em lágrimas, discando um número no telefone): ...
Ele (passa a mão na cabeça dela): Segunda Fase. Concluída.

24.4.07

Trilogia das Bestas: A Cigarra e a Formiga

Ela sai toda molhada do banheiro. Ele, jogando video-game.

Ela: César.
Ele: Hum.
Ela: Eu tô meio puta.
Ele (fixado na televisão): Por quê, meu amor?
Ela: Ontem, eu tava andando no centro e fui abordada.
Ele: Abordada? Como assim? Por um tarado?
Ela: Não... quero dizer... pelo menos, eu acho que não, porque eu me certifiquei de que ela ficava um tanto longe da minha bunda.
Ele: Hum.
Ela (pensando): Será que ela era tarada?... Isso poderia explicar muita coisa... mas, enfim, amor... a mulher me abordou...
Ele: Peraí, o tarado é mulher?
Ela: Caramba, César. Acabei de falar que não era tarado.
Ele: Não. Você disse que não sabia se era.
Ela: Mas era uma mulher. Ponto. Só uma mulher.
Ele (voltando a atenção para a TV): Hum...
Ela: Dá pra desligar o joguinho?
Ele (pausa o jogo): Ai, caramba... Por que a traveca te abordou?
Ela: Por causa da blog.
Ele: E daí?
Ela: Ela me reconheceu, César! Sem nunca ter me visto na vida. Só pelo meu jeito de falar.
Ele (despausando o jogo): Ah, Luiza. Tenha a santa paciência.
Ela: Santa paciência?? Peraí. Tem mais.
Ele (concentrado na TV): Aiii... caramba, quase capotei na curva.
Ela (nervosa): César.
Ele (grita): Que é? Não acabou ainda?
Ela desliga a televisão.
Ele: ...
Ela: ...
Ele: Sua... vaca.
Ela (alterada): Vaca não, César. Neurótica.
Ele: O quê?
Ela: Neurótica. Ela falou que eu sou neurótica.
Ele: Calma, Luiza.
Ela (gritando): Que "calma" coisa nenhuma, César! A mulher nem me conhece e já vem com uma opinião formada sobre a minha pessoa... e má-formada, ainda por cima...
Ele (descontraído): Ah, amorzinho. Esse é o preço da fama. As pessoas vão acabar falando de você... e cá pra nós, você vai ligar pra opinião de uma "maria-ninguém" que te parou na rua?
Ela: A "Maria-ninguém" falou que você é um bunda fria.
Ele: Eu sou um "o quê"?
Ela: Um bunda fria.
Ele: E que porra é essa?
Ela: Sei lá. Coisa boa não é.
Ele: Sapata filha duma puta, cara.
Ela (quase chorando): Tá vendo só. Eu sou uma neurótica casada com um bunda fria.
Ele: Tem certeza de que ela não é tarada?
Ela: Que diferença isso faz?
Ele: Não entendi o comentário sobre a minha bunda.
Ela: Você tá me escutando, por um acaso??
Ele (liga a TV e reinicia o jogo): Tô, mas já tô cansando.
Ela: César, essa é a imagem que as pessoas estão tendo de mim.
Ele: Que pessoas, Luiza? Quais pessoas, pra começo de conversa?
Ela: Muitas... muitas pessoas que acessam esse blog escroto.
Ele: Aha... faz-me rir, amorzinho. Deve ser tudo família do blogueiro.
Ela: Sei lá. Só sei que eu não pedi esse carma... César, vamo cancelá essa bosta.
Ele (jogando): Cancelar o quê?
Ela: O blog.
Ele: Você tá doida, mulher?
Ela: Aí, até você tá concordando com a sapata tarada.
Ele: Você disse que ela não era tarada.
Ela (gritando): Esquece a mulher, César!
Ele (larga o controle): E você acha que acabar com tudo vai adiantar?
Ela: Eu não quero ser a doida varrida da história.
Ele: E nem eu pedi o posto de bunda fria, meu bem.
Ela: ...
Ele (pega novamente o controle): ...
Ela: César... a gente precisa fazer alguma coisa.
Ele: Ô criatura sem sôssego! Luizaaaa, eu já concordei em ter um filho.
Ela: Você concordou uma ova! Você está fazendo isso porque você me ama.
Ele: ...
Ela: Foi o que você me disse.
Ele: Você tá de TPM, não tá?
Ela: ... Tô quase.
Ele (desliga a TV e levanta): Eu já devia saber desde o começo.
Ela: Peraí, a conversa ainda não acabou... César, aonde você vai?
Ele: Vou tomar um banho pra refrescar as idéias... depois de tanto absurdo...
Ela: Vai sim, vá lá, refrescar... Bunda friiiiaa!
Ele: ...
Ela sai do quarto, batendo a porta.
Ele: Puta qui pariu, como se não bastasse a TPM, ainda tenho que aturar sapata que mexe com a cabeça da psicopata da minha mulher... não é fácil.

MORAL DA HISTÓRIA: Em time que está ganhando, o espeto é de pau... (porque essa história tinha que ter um trocadalho do carilho!)

16.4.07

Jogos Mortais

Ela, sentada na cama, com um notebook no colo. Ele, no chão, concentrado, meditando.

Ela: ...
Ele (de olhos fechados): ...
Ela: César.
Ele: ...
Ela: Amorzinho.
Ele (abre um olho): ...
Ela: Queridããão...
Ele (abre os dois e bufa): ...
Ela: Cacete, César... tô falando com você.
Ele: Que é, queridoooona?
Ela: Vem cá.
Ele: Ah, não vô não.
Ela: Eu preciso de sua ajuda.
Ele: Luiza, eu tô meio do meu exercício.
Ela: Que exercício? Tá parado aí, sentado, faz uns quinze minutos.
Ele: Pois é, esse é o exercício. Relaxar o corpo e trabalhar o espírito.
Ela: Então não é exercício.
Ele: Claro que é.
Ela: Não é, não. Isso é macumba.
Ele: Deixa de piadinha, vá, Luiza.
Ela: Olha só, eu levando esporro do professor... deixa disso, vem cá...
Ele: Não posso. Já disse.
Ela: César, o que custa você largar essa posição de Sherazade um minuto e vir me ajudar?
Ele: Um minuto fora de concentração é um minuto a menos de aspiração. Um minuto fora de minha própria energia, Luiza.
Ela: Ai, César. Vou te contar, viu. Se você não fosse tão fanático pelo Vasco, não bebesse que nem um gambá e não odiasse minha mãe, eu ia achar que tú era viado.
Ele: Epa!
Ela: Você tem uns lances de bichona, cara.
Ele (levanta, coçando o saco): Caralho, viu...
Ela: Isso aê, machoman...
Ele (senta do lado dela): Pra que é que você tanto precisa de minha ajuda?
Ela (apontando pra tela do computador): Olha aqui... depois que o Alladin salva o macaquinho, eu vou pra fase bônus ou continuo pelo mapa da fase 4?
Ele (puto): ...
Ela (sorrindo): Hein, amorzinho?
Ele: Vá pelo mapa.
Ela: Tem certeza?
Ele (faz cara de cú): ...
Ela: Tá certo. Pode voltar lá, princesa. Vai encontrar sua energia.
Ele sai em direção a cozinha, pra tomar uma cerveja.

14.2.07

Bidê motivos

Eles chegam de um jantar familiar.

Ela: E aí?
Ele: Que foi?
Ela: O que você achou?
Ele (tirando os sapatos): Do quê, meu amor?
Ela: Do apartamento onde mora a minha irmã.
Ele: Ah, sim. Muito chique, Luiza... Me senti meio preso, sabe? Com medo de quebrar alguma coisa.
Ela: Sabe que eu também... mas adorei esse upgrade da minha irmã. De riponga a socialite.
Ele: E esse mérito é todo dela, hein.
Ela: É sim.
Ele: É o lado positivo de se casar com um alemão que nunca viu uma mulher de verdade na vida.
Ela: Você acha?
Ele: Acho. Sorte dela.
Ela: Sorte por ser mulher, ou por ser mulher de verdade?
Ele (puto por antecipação): Luizaaa... esse é o tipo de pergunta que vai me conduzir a um instante em que eu vou me ferrar, não é?
Ela: Não, não. Só parece. Pode ficar tranquilo.
Ele: Porque, apesar de maluca, sua irmã consegue ser uma mulher muito atraente.
Ela: Sei... você quer dizer que eu então, não sou atraente?
Ele: Porra, você disse que não ia contornar as coisas.
Ela (rindo): Eu tô brincando, bobinho.
Ele: É... tô sabendo.
Ela: Mas que eu fiquei embasbacada com aquele apê, ah, meu filho, eu fiquei, viu...
Ele: Embasbacada?
Ela: É.
Ele: Nossa... a última vez que você ficou embasbacada com alguma coisa a gente foi expulso do museu, lembra?
Ela: Ah, o segurança que me encheu o saco falando que eu tava colocando a mão na escultura.
Ele: Tava mesmo. Aquela estátua que parecia um pinto... você tava ali, ó... (faz o gesto) alisando a horas...
Ela: Mas, César. Era imensa.
Ele: Você tem perseguição por coisa grande e fálica, já percebeu? Tudo que lembra uma rola imensa.
Ela: Por falar em rola imensa... no banheiro da minha irmã...
Ele: Aquele banheiro enorrrrrme... que tem até feirinha hippie dentro?
Ela: É esse mesmo... tem um pé de jabuticaba... nossa, César... eu olhei praquele pé de jabuticaba... a forma e estrutura daquele pé de jabuticaba... na hora, eu lembrei daquele filme com o Alexandre Frota.
Ele: Aquele do presidiário?
Ela: É.
Ele (embasbacado): Caramba.
Ela: Um banheiro lindo. Espaçoso, chique...
Ele: Ah, eu já sei qual é a sua. Você gostou do bidê, não é? Você adora um bidê, Luiza.
Ela: Ai, adorei. Eu gosto mesmo. Mas não é pra usar e nem fazer safadeza, não.... porque, nossa... aquele esquicho de água na bacurinha me dá uma aflição...
Ele: É mesmo, é? Então pra quê... o bidê?
Ela: Pra nada. Pra ficar lá. Acho muito chique ter bidê no banheiro.
Ele: Chique... o bidê?
Ela: É. Desde pequena eu tenho esse fascínio por essas coisas, sabe?
Ele: Que coisas?
Ela: Ah, essas coisas que só tio e tia velha tem em casa. Bidê, teto solar, aqueles jarros de barro chinês enormes no canto da sala.
Ele: Ah lá... jarro enorme... coisa grande e fálica!
Ela: Ai, um espetáculo aqueles jarros de barro chinês no canto da sala de estar.
Ele: Sabe que eu nunca vi isso. Jarros de barro chinês no canto da sala de estar. Nunca vi.
Ela: Ai, César, é lindo... quer dizer, eu achava lindo... hoje eu acho completamente brega, mas antes...
Ele: Contudo o bidê?
Ela: ... ainda sou fascinada.
Ele (ri): ...
Ela: Mas acho perigoso pra minha irmã ter uma coisa dessas em casa com uma criança pequena andando pra lá e pra cá.
Ele: Ué, mas porque você acha isso, amor? Você acha que pode ocorrer um acidente fatal?
Ela: Fatal também, mas... sei lá... vai que a criança ache que aquilo é bebedouro e beba aquela água nojenta.
Ele: Ela não vai achar isso, sabe por quê?
Ela: Por quê?
Ele: Porque seu sobrinho ainda não tem idade pra ficar bêbado num reveillon em saquarema.
Ela: Ai, eu tava cuma sede.
Ele: Vamo dormir, vai.

2.2.07

De volta para o presente

Eles chegam de viagem. Ela carregada de sacolas. Ele empurrando malas com rodinhas.

Ele: Praticidade... ainda bem que só tem roupa suja e souvenir barato nessa mala.
Ela: Por que ainda bem?
Ele: Porque a bosta da rodinha emperrou e eu tive que chutar as malas do elevador até aqui.
Ela: Ah...
Ele (larga as malas num canto): Enfim.. lar, doce...
Ela: Ai, nem me fala em doce...
Ele: Tá ruim, é?
Ela: Nossa... esse povo de Minas sabe mesmo pagar o pecado da gula, viu? Nunca vi tanto doce de leite, cajuzinho e pé-de-moleque na minha vida.
Ele (tirando os sapatos): Cê viu o tamanho daquela goiabada cascão na cozinha da minha tia?
Ela (deita na cama): Cê viu aquilo César?
Ele: Se não vi... fiquei com medo. Parecia aquele filme do Stephen King, "A coisa".
Ela: Muito grande. Acho que dava pra alimentar aquela cidade inteira.
Ele: Se juntasse com aquele tacho de doce-de-leite então...
Ela: Nossa, nem posso imaginar que já fico enjoada... e olha que nem tô grávida ainda.
Ele: Por falar em grávida porque você falou pra minha mãe que a gente está querendo ter um filho.
Ela: Ué, César. Falei. Por quê? Tem algum problema?
Ele: Não. Só achei estranho você chegar e falar assim... não sabia que a gente podia fazer isso.
Ela: Não. Mas a gente não pode.
Ele: Ué, então por que você falou?
Ela: Ai, César... você sabe como é sua mãe. Ela foi falando, falando... aí quem falou fui eu.
Ele: O que ela falou? E o que você falou?
Ela: Ah, muita coisa.
Ele: Muita coisa o quê, Luiza?
Ela: Ai, César. Ela me cumprimentou, perguntou como é que eu tava, eu disse que tava tudo bem, agradeci, porque não parece, mas eu sou uma pessoa educada. E depois ela virou e me perguntou "quando é que vocês dois vão ter filhos".
Ele (irônico): Caramba, quanta coisa, hein, ô.
Ela: Eu não te disse.
Ele: E aí você contou?
Ela: Não. Eu me segurei. Eu só contei quando ela falou que o meu cabelo tava frisado.
Ele (se irrita): Frisado o cú dela! Eu tinha feito escova em você quase toda semana.
Ela: Pois é.
Ele: Velha sem noção.
Ela: Calma, César. É sua mãe.
Ele: E além dela... você contou pra mais alguém?
Ela (desconversa): Você tá sentindo esse cheiro?
Ele: Que cheiro?
Ela (se levanta): Esse cheiro podre. Acho que vem da cozinha.
Ele: Eu não tô sentindo cheiro de nada... vem cá...
Ela (sai e depois volta): César, tá um cheiro horrível na cozinha. Acho que não vai dar pra gente ficar aqui hoje, não.
Ele: O cheiro é na cozinha. A gente quase não sai do quarto... vem cá, agora, que eu quero que você me responda o que eu te pergun...
Ela: Cacete!
Ele: Que foi agora?
Ela: Tem um ninho de rato debaixo do abajur!
Ele: Luiza, raciocina, mulher. "Ninho" de Rato???
Ela: Eu quero dizer no sentido figurado, ô bobão. Um monte de rato. Tudo filhotinho... Ai, que nojo... eu vou me embora daqui...
Ele (exaltado): Espera aí. Você não vai a lugar nenhum. Você tá fugindo de sua irresponsabilidade. Pra quem mais você contou sobre nós termos um filho?
Ela: Ai, César... pra minha mãe.
Ele: Sua mãe?
Ela: E meu pai. Na véspera de Natal.
Ele: Pro seu pai?... você contou para o seu pai? Mas... você ficou louca, mulher?
Ela: Por quê?
Ele: Me diz exatamente o que você disse a ele.
Ela: Que queríamos engravidar.
Ele: Eu quero as exatas palavras, Luiza.
Ela (encucada): Nossa, esse cheiro...
Ele: Luiiiiiza!
Ela: Ai, meu Deus. Eu sentei com ele na mesa de jantar pouco depois da meia-noite e disse que eu... e você... estávamos tentando ter um filho.
Ele: Tentando? Você falou que estávamos "tentando"?
Ela: Porra, qual o problema agora, hein?
Ele: Não se diz isso pra um pai, Luiza. Não se fala pra um pai que um garotão tá comendo a filha dele.
Ela (ri): Garotão?
Ele (aparentemente calmo): Não se dá uma notícia assim, meu bem.
Ela: Tá bom, César. E como as filhas fazem quando estão grávidas? Com elas contam para os pais?
Ele: Aí, é que tá o grande "X" da questão...
Ela (abaixa a cabeça): Meu Deus, tinha que ter um grande "X" da questão.
Ele: ... quando elas vão contar, elas já ESTÃO grávidas. Não estão "tentando". Entende agora?
Ela: ...
Ele: Entendeu?
Ela (puta): Entendi.
Ele (indo pro banheiro): ...
Ela: O que você vai fazer?
Ele: Vou tomar banho. Tô bravo com você.
Ela: Peraí. Você não vai matar o rato?
Ele: Não. Vai ter que dormir com esse "ninho" aí.
Ele fecha a porta do banheiro, dois minutos depois abre, com a cara mais enfezada ainda.
Ela: Que foi?
Ele: O chuveiro... queimou a resistência.
Ela: Hun...
Ele: Pega as malas e coloca de volta no carro.
Ela: Aonde que a gente vai?
Ele: Vamo voltar pra Muriaé.
Ela: Mas, peraí, César. E o rato?
Ele (saindo, novamente empurrando a mala com rodinhas): Traz ele também, faz o favor...
Ele sai, e ela o segue tampando o nariz devido ao odor nojento da cozinha.