9.7.06

Viagem Maldita

Oito horas da noite. Eles chegam de viagem. Ele desarrumando as malas. A cama, uma bagunça. Cheia de roupas espalhadas. Ela, quieta e misteriosa.

Ele: Amor, você guardou aqueles meus anzóis pontudinhos?
Ela: Hã?
Ele: Meus anzóis? Os pontudinhos?
Ela (aérea): Peraí... eu não ouvi o começo da piada.
Ele: Que piada, mulher? Tá maluca?
Ela: Hein?
Ele: ... meus anzóis... de pesca... Vc viu?
Ela: Ah, tá.... é... Desculpa, eu não vi...
Ele: Tá tudo bem com você?
Ela: Ué... tá. Não tá vendo?
Ele: Ihh...
Ela: Ih, o quê?
Ele: Nada. Aqui... achei os anzóis.
Ele: ...
Ela: ...
Ele: ...
Ela: ...
Ele: Vem cá. E as iscas artificiais?
Ela (desligada): O quê, César?
Ele: As iscas?
Ela: Sei lá. Deve tá na mala pequena.
Ele (procurando): Mala pequena?!... Deve tá no banheiro.
Ela (dobrando umas camisetas): ...
Ele (volta do banheiro): Achei.
Ela: ...
Ele: Viu a vara?
Ela (grita): Eu não vi nada. Ele tava de costas.
Ele: Hã?
Ela: Hein?
Ele: Que costas?
Ela: De quem?
Ele: Você falou aí.
Ela: Falei?
Ele: Quem tava de costas, Luiza?
Ela: Ai, César. Pra começar, eu nem queria ir visitar seus pais. Foi você quem insistiu.
Ele: Ah, Luiza. Pra começar, você vai ter que começar de outro jeito, porque eu não entendi... naaada.
Ela: Ai, caramba.
Ele (sentado na cama): Fala, Luiza.
Ela: Não quero...
Ele: Vem cá. Senta aqui.
Ela (senta) Aiii!
Ele: O quê?
Ela: Achei outro anzol.
Ele: É um dos pontudinhos?
Ela: Se não for, eu é que não quero pescar contigo.
Ele (rindo): Dá aqui.
Ela: ...
Ele: Fala, agora.
Ela: Ai, César. Foi o seu pai.
Ele (sorrindo): Que tem meu pai?
Ela: Eu o vi... nu.
Ele (desfaz o sorriso): Comé?
Ela: Eu entrei no nosso quarto... bem, não no noooosso quarto... no quarto que a gente estava hospedado...
Ele (interrompe): Eu entendi.
Ela: E... vi.
Ele: O meu pai pelado?
Ela: É.
Ele: De costas?
Ela (sem graça): É.
Ele (ri): Ah, amor, tá tudo bem.
Ela (irônica): Não, não tá.
Ele (rindo): Tá, sim. Eu não fico zangado por você ter visto a bunda do meu pai.
Ela (meio emputecida): E você acha que eu estou lá preocupada com a sua opinião e o seu estado de alegria por saber disso?
Ele: Ah, não?
Ela: Não!
Ele: Então por que tá grilada?
Ela: Por que eu não consigo tirar essa imagem da minha cabeça.
Ele (sorri): Luiza... é apenas... uma... bunda!
Ela (irônica): Ah, não é.
Ele: Por quê? Você viu algo mais, é?
Ela: An-hã!
Ele: O que foi? Viu o pinto do meu pai também?
Ela: Antes fosse!
Ele (ri): Viu a bunda da minha mãe?
Ela: Antes fosse!
Ele: Então?...
Ela: Eu não vou te contar. Você vai ter pesadelos pro resto da sua vida, se conseguir imaginar o que se passa dentro da minha cabeça.
Ele: Então não conta.
Ela: Ah, eu conto.
Ele: ...
Ela: Eu não só vi o seu pai de costas... com a... buuuunda de fora, como também percebi a sua mãe, de joelhos, em frente ao seu papai fazen...
Ele (interrompe, gritando): Caaalllaaaaaa...
Ela (rindo): ...
Ele (em estado de choque): Você viu?
Ela: Vi.
Ele (gagueja): Mas... o... quer dizer.... o... caaaaraaaalhu!
Ela (sorrindo): É... No beiço da vovó.
Ele: Gente... eu pensei que meus pais não faziam isso.
Ela (ri): ...
Ele (percebe a risada dela): ...
Ela (percebe que ele percebe que ela tá rindo e ri mais ainda): ...
Ele (olha pra ela): Você planejou essa encenação toda durante a viagem de volta pra casa, pra chegar aqui, me contar tudo isso e chorar de rir da minha cara de babaca, não foi?
Ela (gargalhando): Hahahaha. Foi.
Ele: Agora você vai ver.
Ela: O que você vai fazer?
Ele: Vou te apresentar o anzol pontudinho.
Ela: Peraí, César. Eu tava brincando.
Ele: Isso não tem graça.
Ela: Ah, César, admita que se você pegasse meus pais na mesma "posição" você iria fazer piada, vai?
Ele (puto): Precisa mencionar "a posição"? Precisa me fazer visualizar a cena?
Ela (rindo): Tá bom. Não precisa ficar zangado.
Ele: ...
Ela: Me desculpa, amor.
Ele: Não.
Ela: ...
Ele: ...
Ela (rindo): E se eu ficar "de joelhos", você me perdoa?
Ele: Ai, cacete.

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