25.6.08

Cu de Cu-nhada

Ele, de pijamas, deitado na cama, atirando uma bolinha para o ar. A cama desarrumada, cheia de embalagens de biscoitos vazias. No aparelho de DVD, uma voz feminina bem suave cantarolava. Uma mulher ruiva, vestindo um casaco de pele, entra, chutando uma garrafa de cerveja vazia, que se encontrava encostada ao lado da porta.

Outra: César?
Ele: Rose?
Outra (investigando cada canto do cômodo): Credo. Que bagunça...
Ele: Que ce tá fazendo aqui?
Outra: ... parece meu apartamento.
Ele: Rose...
Outra (se sentando na cama): Oi amor. Você cortou o cabelo, meu querido?
Ele: Eu?... Várias vezes desde a última vez que te vi.
Outra: Ah, é? Quando foi mesmo?
Ele: No seu casamento.
Outra: Ano passado?
Ele: Não, no outro casamento. O primeiro de todos. O piloto da série.
Outra: Nossa, sério? 2004 faz tanto tempo assim?
Ele: Rose, o que...
Outra (interrompe, se levantando): Tem algo pra beber?
Ele: Tem água, leite, acho que... suco na geladeira.
Outra: Não, amor. Não “pra bebê”. Pra beberrrr.
Ele (puto): Por que você está aqui?
Outra: Fiquei sabendo que o frajola e o piu-piu estão brigados.
Ele: Como sabe disso?
Outra: O frajola me ligou chorando.
Ele: Ela tá na sua casa, é?
Outra (mexendo no armário): Yeah, baby... Achei!
Ele: ...
Outra (pega um copo, cheira e decide tomar no gargalo): Você guarda seu whisky importado junto com suas meias, é?
Ele: Rose, eu...
Outra (rindo): Há! Você é muito meu parente, César!
Ele: Seja lá o que isso quer dizer...
Outra: Mas, venha cá... por que a briga, amor? O piu-piu não quer mais sair da gaiola, é?
Ele: Hã?
Outra (depois de um gole da garrafa): Eu soube que vocês estavam tentando...
Ele: Ela te contou?
Outra (sentando-se ao lado dele): Nem precisou. A última vez que ela foi em casa ficou três horas admirando o quarto do bebê... e quando eu digo “quarto do bebê” eu me refiro a uma área de serviço com um berço dentro.
Ele: É mesmo, é? Tão na cara assim?
Outra (depois de mais um gole): Ela emoldurou a foto do meu ultrasom.
Ele: Caramba.
Outra: Mas eu disse a ela, sabe, que se ela quiser mesmo e você, sabe, não conseguir... ela poderia até ficar com o meu.
Ele: Você seria capaz de dar o seu bebê?
Outra (grita): Tá maluco, amorzão?
Ele: Não, é que do jeito que você falou, eu pensei...
Outra (interrompe): Eu tô leiloando ele.
Ele: Leiloando?
Outra: É. Num site da internet. Coisa muito chique, cibernética.
Ele: Rose... esse bebê que você no momento introduz a vida alcoólica... esse bebê... ele... esse bebê é seu filho, sua monga!
Outra: Ai, eu sabia que ia começar a grosseria. Tava demorando, hein, ô Imperador da Tijuca?
Ele: Você está vendendo uma criança. Seu marido, por acaso, está como cúmplice desta insanidade?
Outra (terminando outro gole): Que marido? Meu marido, aquele alemão brocha, tá lá... em Berlim... nem sabe que eu estou grávida (dá mais um gole)... ainda bem, porque o filho não é dele.
Ele: Como assim “ele não sabe”? Você está grávida de seis meses!
Outra: Ah, sei lá... o Otto não me entende. Eu não o entendo. Um dia, ele simplesmente falou umas coisas em alemão pra mim, jogou meus exames de gravidez no chão, cuspiu, virou e foi embora para a Alemanha. Eu nunca entendi essa religião dele, sabe?
Ele: Rose, vê se me escuta, ô clone de Janis Joplin. Você não pode leiloar esta criança.
Outra (coloca a mão no ombro dele): César, meu querido... você sabe a admiração que eu tenho por você, não sabe?
Ele: Sei?
Outra: Você quer ser papai e não consegue. Quer ser marido e não consegue... quer ser engenheiro, médico, gerente, decorador e, convenhamos, só se fode. Agora tá tentando virar bicha porque, pelo amor de Deus, pijama mais chororô ao som de Marina Elali?
Ele: Essa é sua admiração pela minha pessoa?
Outra: Não, esse é meu total desprezo por você. O que eu admiro em você é a sua força de vontade e acima de tudo, a sua... o seu...
Ele: ...
Outra: Não, acho que é só a sua força de vontade mesmo.
Ele (já se emputecendo): Rose, pra que você veio aqui?
Outra: Pra te impedir de cometer uma loucura.
Ele: Tipo leiloar o meu sobrinho?
Outra (dando mais um gole): Leiloar quem?
Ele: Rose... quer saber, vá embora. E guarde isso, mulher. Você está grávida... não permito que desperdice meu whisky doze anos com um bastardo catarrento.
Outra: Já engrossou, hein, fubazinho.
Ele: Fubazinho é o seu...
Outra: Olha o respeito... pelo menos com um bastardo catarrento no recinto.
Ele: Some daqui.
Outra: César...
Ele (não olha, puto da vida): ...
Outra: Ei, chuchu...
Ele: O que é?
Outra: Não deixe que a única qualidade sua desapareça.
Ele (ri): Essa é muito boa.
Outra: Você sabe que não é o único que está perdido?
Ele: Ela quer me ver?
Outra: Você me mandou sumir, esqueceu?
Ele: Tchau, Rosemeire.
Outra (saindo): Tchau, amor.
Ele: ...
Outra (entra rapidamente, com um caderninho): Peraí, qual o seu lance?
Ele: Lance?
Outra: Pro leilão!
Ele: Sai fora, maluca.
A outra sai. Ele pega o telefone, mas desiste de ligar.

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