22.4.08

Chuva e Vento


Ela sai do banheiro, toda produzida. Ele, em frente ao espelho, tenta acertar o nó da gravata.

Ela: E aí?
Ele: Que foi?
Ela: Eu tô bem?
Ele: Não sei. Está?
Ela: A roupa, César.
Ele: Ah... Tá lindona, meu amor.
Ela (empurra ele, se olhando no espelho): Ah... eu vou me trocar.
Ele: Mas você está linda neste vestido.
Ela: Eu tô gorda... e... sei lá, parece que eu descobri uma nova formação óssea no meu quadril.
Ele: Uma nova formação óssea?
Ela: É aqui... ó...
Ele (verifica): Ah, Luiza, isso aí você sempre teve.
Ela: Sempre tive?
Ele: Desde que eu te conheci.
Ela: E por que você nunca me disse que eu tinha isso?
Ele: Ué, eu achei que você sabia.
Ela: É que é uma elevação meio anormal, não é?
Ele: Eu gosto. Acho sexy.
Ela (sorri): Mesmo?
Ele: Não.
Ela: Viu só... eu vou colocar outro vestido...
Ele: Não, Luiza. Não é pra tanto. Você vai ficar mostrando a sua protuberância assim pra todo mundo na cerimônia?
Ela: Credo. Não... eu lá faço este tipo?
Ele: Ah, bom.
Ela: É que tá marcando o meu vestido.
Ele (mexendo no porta-jóias dela): De onde você tirou este colar?
Ela: Ah... esse... eu... eu comprei.
Ele (ri): Bela tentativa.
Ela: Ganhei na empresa.
Ele: Caramba, por quê?
Ela: É um... prêmio da Ordem dos Advogados... de dentro da empresa, sabe? Uma coisa interna...
Ele: Uma coisa interna?
Ela: É... uma premiação pro funcionário que exerce tarefas extras... horas... extras, sabe... em trabalhos de direito institucional.
Ele: Ou seja, você.
Ela: Não, amor. Não sou só eu. Tem o... o. Ângelo, a Maria Antonia, a... a... Tereza. Todos advogados.
Ele: Sei... e você ganhou este prêmio?
Ela: É.
Ele: E isso, antes ou depois de você sair da empresa?
Ela: Hã?
Ele (irônico): Hein?
Ela: O que... o que você falou?
Ele: Nada, benzinho. Hum... eu acho que você devia usar esta jóia valiosíssima hoje, afinal trata-se de uma ocasião especial, não é?
Ela: Por isso mesmo eu vou com aquele prateado que você me deu. E esse daí também não combina com o meu vestido.
Ele: Hum... tem certeza?
Ela (olha pro sorriso cínico na cara dele): Que foi, César?
Ele: Nada.
Ela (olha pra ele): ...
Ele (entrando no banheiro): Tô pronto. Só falta o cinto.
O telefone toca no mesmo segundo em que Selma entra.
Outra: Luiiiza...
Ela (atende o telefone): Um minuto, Selma... Alô?
Outra: Gente, alguém viu a Carolina?
Ela (desliga o telefone): Gente, alguém viu o Tiago?
Ele (sai do banheiro): Putz, alguém viu meu cinto?
Outra: Ah, meu Deus.
Ela: Ah, meu Deus.
Ele: Gente, apertam os pilotos, o meu cinto sumiu.
Outra (começa a chorar): Meu Deus, meu Deus...
Ele: Tudo bem, tudo bem. Eu juro que era pra ser apenas um trocadilho imbecil.
Ela (discando o celular): O Tiago e a Carol sumiram, César.
Outra: César, por favor. Você precisa encontrar essas crianças.
Ele: Que crianças? Se eles fossem crianças, você não teria o direito de concordar com uma idéia maluca que é esse casa...
Ela (interrompe): César, isso não é hora. Por favor.
Ele: Parece que nunca é hora, né, Luiza.
Ela (desliga o celular): Caixa Postal, os dois.
Outra: Meu Deus, onde eles estão?
Ela: Eu vou procurar esses dois.
Ele: Ah, legal. E eu vou ficar aqui com a amiga maluca.
Outra: É... Eu acho melhor eu ir com você.
As duas saem, deixando ele sozinho no meio do quarto.

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